É preciso construir a resistência
AndESpecial*

 

Vem aí mais uma temporada de caça aos direitos dos trabalhadores. Às vésperas das eleições gerais, já não há dúvidas de que as reformas neoliberais serão retomadas e com muito mais intensidade. Basta acompanhar os noticiários para perceber que está a caminho mais um verdadeiro rolo compressor.

O objetivo desses ataques é reduzir as despesas correntes do Estado com maior privatização de serviços como saúde, educação e previdência e, supostamente, aumentar a competitividade da produção brasileira.

O cenário aponta grandes dificuldades para os trabalhadores, aí incluídos os professores da educação pública. Por isso, a organização sindical assume papel dos mais importantes para a defesa de direitos, para evitar que, mais uma vez, paguemos a conta da crise que não foi criada pelos que vivem de seu trabalho. A ilusão das saídas individuais somente tem servido para enfraquecer a única via capaz de reverter esse quadro: a unidade solidária dos trabalhadores.

O ANDES - Sindicato Nacional e seus sindicalizados não vão esperar para ver. É preciso preparar as ações de resistência. É preciso construir unificadamente as campanhas salariais, aglutinando forças em fóruns que enfrentam as reformas, reerguendo o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública e a CNESF.

 

É preciso preparar-se para uma ampla jornada de lutas que deverá se desenvolver em 2007 como aponta a CONLUTAS.

Direitos dos trabalhadores na mira

Duas reformas são apresentadas como prioritárias, e devem ser realizadas pelo próximo governo: uma terceira reforma da previdência e a reforma trabalhista. Para Delfim Neto, “só o Lula pode produzir essas duas reformas porque o trabalhador acredita nele” (FSP, 26/8/06).

Interessa, portanto, não apenas reduzir ireitos dos trabalhadores, mas fazê-lo de forma a parecer que as medidas os beneficiarão. Imagina-se que haverá mais trabalhadores com carteira assinada se for aumentado o tempo para aposentadoria, reduzido o valor dos benefícios, reduzindo as contribuições patronais, flexibilizando férias, décimo terceiro salário e outros direitos. No âmbito do serviço público, devem ser aumentadas as terceirizações, a contenção dos valores dos salários e haverá mais perdas de direitos, como se evidenciou nas medidas provisórias recentemente convertidas em leis que obrigam servidores a assinar termos de opção em que abrem mão de algumas vantagens remuneratórias, de tempo de serviço e, até mesmo, de ações judiciais que reclamam direitos, para aderir a novas carreiras.

Sindicatos combativos ameaçados

Para facilitar a destruição dos direitos conquistados pela classe trabalhadora e reduzir o poder de pressão dos sindicatos, será retomada também a reforma sindical. O governo não logrou a aprovação das medidas provisórias nºs 293 e 294, que tratam das centrais sindicais e da criação do Conselho Nacional de Relações de Trabalho, mas deverá voltar à carga após as eleições, com novas propostas para conter a capacidade e a organização dos trabalhadores. Então, às nossas prioridades, soma-se a defesa do nosso direito de reivindicar e de lutar.

Milhões para juros das dívidas

Enquanto isso, a dívida pública cresce desenfreadamente na esteira das altas taxas de juros, com o governo rolando cerca de R$40 bi em títulos a cada mês e da qual pouco se fala.

É a sangria de recursos que impede o aumento dos investimentos públicos necessários ao crescimento da economia e não as despesas correntes como pretendem os arautos do ajuste fiscal e que, mantida a atual proposta para o orçamento de 2007, deverão ser reduzidas ainda mais. É o que promete também a reforma da educação superior, que tramita no Congresso Nacional: contenção das despesas públicas e desregulamentação do setor privado.

Reajuste zero para os servidores

Os servidores públicos sentem na pele os efeitos do comprometimento orçamentário do governo. Para ter uma idéia, o superávit primário federal cresceu de 4,95%, em 1995, para 19,7%, em 2004. No mesmo período, as despesas da União com pessoal caíram de 56,2% para 30,1%.

O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2007, feito pelo governo federal e ainda não votado pelo Congresso, fixa a meta de superávit primário em 4,25% do PIB, prometendo a continuidade da transferência de recursos para o setor financeiro em 2007. Tanto é, que o Projeto de Lei do Orçamento não prevê recursos para reajustar os salários dos servidores.

 

Educação Superior à venda

Diante da gravidade da situação, o ANDES-SN tem a responsabilidade de alertar para o fato de que, qualquer que seja a continuidade do trâmite da chamada reforma universitária, iniciada em 12 de junho de 2006 no Parlamento, o resultado será um profundo redimensionamento da relação público/privada na educação superior do Brasil em benefício do privatismo. A única saída para essa ameaça é a aglutinação de forças e a unidade de ação na luta pelo restabelecimento do caráter verdadeiramente público da educação.

Complementando o ataque contido no próprio projeto do Executivo, parcela importante do parlamento trabalha para transformar o direito social à educação, garantido constitucionalmente, em um serviço, ou seja, na apropriação da educação como negócio que permita a seus vendedores auferir lucros e ainda ter acesso a recursos públicos.

Dois projetos de lei de 2004 que foram convenientemente depositados na Câmara dos Deputados já no início da discussão sobre a reforma universitária com forte cunho privatista dispõem sobre a total desregulamentação e uma ainda maior fragmentação do ensino superior, sinalizando assim para a intensificação da brutal queda de qualidade que já vem sendo observada no ensino superior privado, conforme atestam os índices de reprovação no exame da OAB. Paralelamente, o PL nº 7200/06 do Executivo, ainda mais após a amputação por ele sofrida durante o estágio na Casa Civil, indica, para o sistema público, um estrangulamento do financiamento, ao mesmo tempo em que está em curso uma expansão sem a devida qualidade. Isso se amplifica ao analisar o teor do conjunto de emendas apresentadas ao projeto no Congresso Nacional.

No texto ainda está presente uma burla à Constituição pela tentativa de redefinição do que seja ensino, que deixaria à miragem da gratuidade boa parte das ações educativas das IES e, possivelmente, todo sistema de educação superior dos estados e municípios. Por fim, a ênfase com que o projeto do Executivo determina a equivalência entre a educação a distância e a presencial para todos os cursos, incluindo graduação e pós-graduação, projeta graves problemas para a formação profissional, com graves reflexos sobre toda a nação.

A educação superior do Brasil constitui anomalia sob pelo menos dois aspectos: a privatização impressionante e crescente do sistema e a sua fragmentação. Essa excrescência afetará qualquer possibilidade do Brasil afirmarse como nação soberana em um cenário em que a construção, a apropriação e a difusão do conhecimento podem ser o diferencial para um crescimento sustentável.

A sociedade organizada não pode sucumbir às dificuldades do contexto atual e precisa definir a pauta mais efetiva do movimento social e sindical. É preciso dar ao tema a real importância que tem na definição dos rumos da educação.

Assim, o ANDES-SN conclama a comunidade universitária e as entidades comprometidas com a educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada do país a se debruçar sobre o tema para fazer desta mobilização um fato político significativo e contundente frente a mais essa ofensiva conjunta do setor privatista da educação e do governo, que lhe concede abertamente prerrogativas antagônicas ao interesse público.

 

Lutar contra a precarização do trabalho docente

As relações, as condições e a natureza do rabalho docente vêm sendo profundamente precarizadas. O fato de que o crescimento do número de funções docentes tem ocorrido majoritariamente nas IES privadas é a primeira evidência desse processo. O maior crescimento de empregos universitários deu-se no setor onde historicamente se verificam as piores condições de trabalho. Em regra, nesse setor os contratos de trabalho são estruturados apenas em carga horária de ensino. Como exemplo, tem-se atualmente que, das 185 mil funções existentes nas IPES, 118 mil são caracterizadas por regime horista, sem expectativa de plano de carreira e de desenvolvimento de atividades de pesquisa e de extensão. No caso do setor público, o raquítico crescimento das funções docentes também aconteceu sob a marca da precarização, já que, das 33 mil funções geradas entre 1980 e 2004, cerca de 21 mil referem-se às jovens IES públicas estaduais que nasceram exibindo formas falaciosamente criativas de contratação. Além dos contratos temporários e efetivos baseados em hora-aula (pagamento por aula e ausência de plano de carreira), tem sido prática corrente o recurso às bolsas de pesquisa e adicionais a título de extensão como forma de remuneração dos docentes. Mesmo em universidades consolidadas como a UNESP, a expansão deu-se, principalmente, pela extensão dos docentes já efetivos para os novos campi e pela contratação de docentes por períodos de 3 meses, regime de trabalho chamado de professores conferencistas. Some-se a esse quadro a política generalizada de arrocho salarial no sistema público que leva o docente a vender cursos e diversos tipos de serviços.

Ironicamente denominadas de apoio às instituições públicas, as fundações privadas passam a desempenhar papel privilegiado, rompendo o princípio republicano da separação entre os entes públicos e os interesses privados numa afronta evidente à Constituição brasileira.

Outro aspecto da precarização do trabalho do docente pode ser visto no aumento do próprio trabalho, na carga didática nos cursos de graducação e crescimento dos cursos de pósgraduação que somente nesses últimos dez anos teve seu número duplicado, intensificando a carga de trabalho referente a aulas e orientações. Além disso, a pressão exercida para intensificar o trabalho do docente impõe metas de produção acadêmica que são aumentadas ano após ano. Tal pressão encontra-se alicerçada na idéia de que os docentes devem ser mais “produtivos”, aumentando a quantidade de “produtos” como aulas, orientações, publicações, projetos, patentes etc. À medida que esse padrão produtivista se torna a essência do trabalho do docente, fatores como a competição por bolsas, por editais de financiamento para pesquisa e até mesmo pelos primeiros lugares nessa hierarquia acadêmica tornam-se por si mesmos os critérios de avaliação das atividades docentes pouco importando a qualidade final do trabalho. É a chamada avaliação em si referenciada. Além disso, esse modelo passa a determinar a estruturação da pesquisa no interior das instituições privatizando o uso de todos os meios de produção acadêmicos (livros, laboratórios etc), já que estes se apresentam cada vez mais concentrados e disponibilizados para as áreas “vocacionadas” para o mercado. Nessa lógica competitiva, não há espaço para todos. Ao contrário, ela é estruturalmente excludente da maioria e utiliza apenas como emblema a qualidade como justificador da exclusão que lhe é intrínseca. Quem não se adapta é praticamente impedido de concorrer aos editais dos órgãos de fomento à produção científica sendo ejetado do sistema.

Por tudo isso, a modificação dessas condições que precarizam o trabalho docente articula-se com a luta mais ampla de defesa da expansão com qualidade da educação pública e gratuita. Alinhase a essa luta a pauta salarial, a estruturação de plano de carreira dos docentes nas IES que ainda não os têm, a contratação de professores efetivos nas IES públicas, a democratização dos editais de órgãos de fomento à produção científica, o aumento dos recursos para Ciência, Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento, a discussão dos critérios de produção e de avaliação do trabalho do docente (especialmente os que imperam hoje a partir da CAPES), enfim, a problematização da rotina da atividade do docente como forma de organizar uma outra lógica baseada em valores coletivos, solidários e estruturados democraticamente.

O ANDES-SN coloca-se nessa arena de luta visando a produzir ações capazes de recolocar o trabalho do docente no nível de dignidade que lhe deve ser próprio e, mais, que se exercite sobre fundamentos capazes de recuperar o ambiente acadêmico em que prevaleça na universidade a docência e a pesquisa guiadas pelas questões teóricas de real conteúdo e pelos verdadeiros problemas nacionais.

 


* AndESpecial - Setembro 2006
AndEspecial é uma publicação do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior
Sede e Redação: Setor Comercial Sul (SCS), Quadra 2, Ed. Cedro II, Bloco "C", 3º andar, CEP 70302-914, BSB-DF
Diretor responsável: Evson Malaquias de Moraes Santos Jornalista: Ricardo Borges Tiragem: 4 mil
E-mail: imprensa@andes.org.br Página eletrônica: http://www.andes.org.br Fone: (61) 322-7561
 

 

Opiniões sobre os artigos ...


Coletânea de artigos


Home