AMPLIAR A DEMOCRACIA
Com a crise, voltou à pauta o debate sobre a reforma política, que já tramita há anos no Congresso Nacional. Patrocinada pelo Executivo e pelos grandes partidos do parlamento, as matérias que compõem a reforma passaram a ter urgência adquirindo responsabilidade de solução para os problemas evidenciados com as denúncias feitas a parlamentares e ao governo federal. Mas, para os movimentos sociais e organizações que lançaram ontem a Carta aos Brasileiros, as mudanças não podem ficar restritas somente aos partidos políticos e ao processo eleitoral. Na opinião destas entidades, a reforma tem de ser mais ampla, abrangendo o conjunto da sociedade tanto em seu processo de discussão quanto na participação das decisões políticas. A carta, divulgada terça-feira (21) em Brasília, defende como tarefa “realizar, a partir do debate com a sociedade, uma ampla reforma política democrática. Uma reforma que fortaleça a democracia e dê ampla transparência ao funcionamento dos partidos políticos e aos processos decisórios”. O documento reafirma alguns dos principais pontos da reforma em discussão hoje no Congresso, como a fidelidade partidária, o financiamento público exclusivo das campanhas e o fim das cláusulas de barreira. “Para ser realmente democrática, ela tem que se basear no financiamento público, nas listas partidárias para fortalecer os partidos e os projetos e também impedir que as barreiras impeçam a pluralidade das idéias e dos partidos políticos no país”, afirma o presidente da UNE, Gustavo Petta. Segundo os movimentos, a reforma não pode ficar restrita ao parlamento. “A reforma deveria ser uma reforma efetiva no Estado brasileiro, com mudança nos processos decisórios, portanto do poder, e que extrapola simplesmente a vida partidária”, diz José Antônio Moroni, da Associação Brasileira de ONGs (Abong). Segundo Moroni, as organizações e movimentos entendem que política não é algo de monopólio exclusivo dos partidos e dos mandatos, mas do conjunto da sociedade. Seguindo este raciocínio, ele defende que as mudanças, além de aperfeiçoar a democracia representativa, é preciso conjugar esta forma de representação com instrumentos de participação direta. Mecanismos de participação Os autores da carta consideram que é necessário fortalecer e melhorar os instrumentos de participação já existentes e criar novos, expandindo a incidência da sociedade organizada nos processos decisórios institucionais. José Antônio Moroni, cita o caso dos conselhos como espaços já existentes e que podem ser potencializados. Para o representante da Abong, os espaços que hoje existe estão restritos às chamadas políticas sociais, sendo boa parte deles de caráter consultivo, o que gera pouca efetividade. Segundo Moroni, mesmo nos que possuem caráter deliberativo, como o das cidades, a efetividade das suas deliberações são baixas. “Isso por que o Estado não entende ainda estes espaços ainda como espaços de partilha de poder, e sim como uma concessão, como um modismo. É moda chamar a sociedade, mas como se esta participação não tivesse uma efetividade na partilha do poder e na tomada de decisão”, avalia. Na opinião de José Antônio Moroni, os espaços institucionais de participação são fundamentais para que os interesses da sociedade sejam diretamente representados e que os temas sejam publicamente negociados, “no bom sentido”. Uma medida emergencial seria “a imediata regulamentação dos processos de democracia direta, que implica o exercício do poder popular mediante plebiscitos e referendos, conforme proposta apresentada pela CNBB e a OAB ao Congresso Nacional”, com pontua a Carta. Para Gustavo Petta, a aprovação deste projeto é fundamental “para democratizar as decisões e aumentar o nível de participação política da sociedade brasileira nos grandes temas nacionais”. Um exemplo concreto é a decisão da posição brasileira sobre a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), para a qual uma série de movimentos sociais vêm reivindicando a realização de um plebiscito. Na opinião dos movimentos e organizações, é preciso e urgente pensar mecanismos que participação popular na política econômica. “Não concordamos com este discurso de que a economia é uma coisa técnica, ela é essencialmente política”, defende José Antônio Moroni. Para ele, um exemplo é o próprio processo orçamentário, onde mesmo os conselhos existentes nas áreas sociais têm pouca influência na definição da destinação de recursos para aquele setor. “Queremos interferir no Orçamento Geral da União e também nos recursos para fiscais, como BNDES, Banco do Brasil, Caixa, BNB e Basa”, completa Moroni. “Se forem criados instrumentos como audiências públicas e de uma maneira que a sociedade possa acompanhar a tramitação da reforma por que as coisas acontecem em Brasília de forma escondida, com poucos espaços de visibilidade e poucas alternativas didáticas para que o povo entenda a engrenagem institucional. O principal é garantir é garantir que a população possa estar atenta e acompanhando e democratizar o Brasil na promoção de uma fiscalização maior da sociedade sobre os partidos”, defende Antônio Carlos Spis, secretário de Comunicação da CUT. Reverter a exclusão de segmentos na política Um dos pontos da reforma que precisam ser ampliados, para os autores da Carta é a necessidade da apresentação de candidaturas em listas fechadas. Eles defendem a alternância de gênero e etnia, “obedecendo critérios de representação política pluriétnica e multiracial”. Para Guacira Oliveira, do Cfemea, ONG que trabalha com questões de gênero, a cota para mulheres nas candidaturas existente hoje já se mostrou inviável. Para a militante feminista, existe um problema econômico que deve ser atacado, “dado que as mulheres têm uma dupla jornada de trabalho e possuem menos patrimônio do que os homens”. Ela estende o problema a outros setores da sociedade. “Muitos segmentos, como as mulheres, os indígenas, os negros, não conseguem competir nas campanhas eleitorais pelo fato de elas serem caríssimas, problema que o financiamento público [um dos pontos propostos na reforma] ajuda a resolver”. Mas, para Guacira, tem de haver ações específicas dentro da destinação dos recursos do fundo partidário “para incluir estes segmentos excluídos da representação política”. Organização popular A existência de espaços participativos em âmbito institucional, para os movimentos e organizações, é uma forma de potencializar a participação e organização popular. “Somente com estes instrumentos de participação direta é que você aumenta o nível de participação da sociedade brasileira o que pode permitir que a consciência se eleve e a gente possa conseguir aprovar mudanças mais profundas no país”, afirma o presidente da UNE. Para os movimentos, a reforma é um dos momentos onde o governo tem que sinalizar qual caminho vai escolher, se aprofundar políticas neoliberais ou construir um pacto com a sociedade organizada. Para o secretário de comunicação da CUT, José Carlos Spis, a atual conjuntura é um momento especial e é a mobilização popular que pode fazer diferença nas respostas que o governo precisa dar. “Há um calendário de mobilizações nacionais onde o movimento social, o movimento estudantil e sindical se apresente e crie uma liga com a sociedade, sensibilize a sociedade para que ela fique atenta aos problemas nacionais por que a grande imprensa hoje está massacrante, está impedindo que as pessoas raciocinem a não ser sobre as suspeições de corrupção cujo porta voz maior é o Roberto Jefferson”, comenta. O sindicalista avalia também que a reaproximação do governo com a sociedade organizada não pode se dar somente de um lado. “Queremos também que o governo dê um sinal para nós. Nós estamos nos apresentando mas queremos que o governo se apresente também, o Lula ta muito tímido, é preciso ter uma via de duas mãos”. Ele cita dois exemplos onde o governo já poderia dar resposta: a negociação da greve dos servidores federais e os leilões de peróleo, marcados para outubro. Para Spis, “a reforma política é fundamental e necessária, mas se não vier com mobilização social ela será fadada ao fracasso como todas as outras”.
Fonte: Ag. Carta Maior, Jonas Valente, Brasília, 22/06/2005. |