AMEAÇA sobre o PLANALTO
Auditoria do TCU leva investigação sobre cartões corporativo ao gabinete do
presidente
A nova ameaça que ronda o Palácio do Planalto tem a forma de retângulos de plástico e possui uma tarja magnética. São os cartões de crédito chamados de cartões corporativos. ISTOÉ teve acesso com exclusividade a uma ampla auditoria que o Tribunal de Contas da União (TCU) fez nos 42 cartões corporativos da Presidência da República. Eles servem para cobrir gastos e, principalmente, sacar na boca do caixa dinheiro vivo destinado a custear as despesas do gabinete presidencial, incluindo aquelas realizadas pelo casal Marisa e Lula da Silva e seu staff. A auditoria revelou que, a exemplo do que fizeram os ministros Orlando Silva (Esportes), Matilde Ribeiro (Igualdade Racial) e Altenir Gregolin (Aqüicultura e Pesca), os assessores palacianos também estão usando os cartões de forma fraudulenta. "Foram comprovadas fraudes" na utilização dos cartões, certificou o TCU, depois de três anos de investigação. O relatório final do Tribunal de Contas poderá levar para dentro do gabinete de Lula uma série de denúncias que nos últimos dias têm ficado restritas a ministros de pouca expressão.
É com base nesses documentos que o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), um dos mais atuantes na CPI dos Correios, pretende conseguir as assinaturas necessárias - 171 na Câmara e 27 no Senado - para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de investigar os gastos com os cartões corporativos. "É necessário apurar a utilização indevida e ilegal dos cartões e punir os responsáveis antes que novas irregularidades apareçam. Os números mostram que estão gastando cada vez mais e não apenas nos Ministérios, mas também no Palácio do Planalto", disse o deputado depois de analisar uma série de documentos. Entre as fraudes detectadas na investigação do TCU estão o pagamento de diárias a servidores que não foram indicados pelo Planalto como integrantes de comitivas em viagens oficiais, o pagamento de diárias, muitas vezes superfaturadas, em quantidade superior ao período de estadia efetiva e a inexistência das empresas nos endereços consignados nas notais fiscais utilizadas para atestar o gasto, ou seja, a nota fiscal fria. Há casos ainda de emissão de notas fiscais "calçadas", aquelas que registram valores diferentes nas várias vias de mesmo número. Quase a totalidade dessas irregularidades, que se repetiram ao longo dos seis anos de governo Lula, foi identificada em viagem presidencial, realizada em 2 de maio de 2003, às cidades de Ribeirão Preto e Sertãozinho (SP). Nessa viagem, foram pagas 22 diárias para pessoas que não constavam na lista de membros da comitiva fornecida pela Secretaria de Administração da Presidência, a um custo total de R$ 3 mil. Também foi pago um número de diárias superior ao período da estadia de seis servidores do Palácio do Planalto. Um desses funcionários, que o TCU identifica apenas como "AT", passou apenas dois dias hospedado em hotel em Ribeirão Preto. Mas o cartão de crédito corporativo pagou o dobro: quatro diárias. O servidor da Presidência identificado como "SJ" também hospedou-se por dois dias, mas passou no cartão cinco. Na ida a Ribeirão dos servidores do Palácio do Planalto, também ficou caracterizado o superfaturamento, segundo os auditores do TCU. O total da despesa da comitiva presidencial com hospedagem no hotel foi orçado em R$ 23,8 mil. O problema, frisaram os auditores, é que o "valor pago pela Secretaria de Administração da Presidência em maio de 2003 superou em R$ 13,6 mil o valor de mercado de hospedagem no mesmo hotel em setembro de 2006". Ou seja, três anos depois. No total, a viagem ao município paulista consumiu R$ 18,1 mil apenas em "despesas irregulares", atesta o TCU. No caso de pagamento de despesas com cartão corporativo, durante a estada em Ribeirão e Sertãozinho, foram identificados indícios de irregularidades fiscais com notas emitidas pelas empresas FR Comércio e Serviços, Nova Era Comércio, Memory House, Comércio Importação e Exportação e Trovata Design Editorial Ltda. O funcionário designado para custear, com cartão de crédito corporativo, as despesas da viagem às cidades paulistas foi Josafá Fernandes de Araújo. Alçado ao cargo de agente administrativo no governo Lula, Josafá começou a trabalhar no Palácio como datilógrafo até chegar às áreas de licitações e compras durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ele é apenas um dos 42 servidores do Palácio do Planalto encarregados de suprir todas as necessidades do pre- B R A S I L sidente, de sua família e dos ministros palacianos. São eles os ordenadores de despesas oficiais chamados de ecônomos. Precisam trabalhar com agilidade e compram sem licitação. Muitos chegaram ao Planalto com o presidente, como Roberto Suarez. Outros estão no Planalto há mais de uma década, como Josafá e Anderson Ferreira. As primeiras informações sobre o uso abusivo e indiscriminado dos cartões de crédito corporativos pelo governo foram reveladas por ISTOÉ Dinheiro em reportagem de capa em agosto de 2005. Desde então, as suspeitas de utilização ilegal desse mecanismo sempre foram apontadas pela oposição como a prova inequívoca da diluição da fronteira entre o público e o privado pelo governo petista. O assunto pegou fogo nos últimos dias quando foi noticiado que a ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, gastou R$ 171,5 mil em viagens em 2007, todas pagas com o cartão corporativo. Na prática, as despesas correspondem a R$ 14,3 mil mensais, valor superior ao seu salário, que é de R$ 10,7 mil. Entre as despesas custeadas por Matilde está uma conta de R$ 461 em um free shop. Durante a semana, a ministra foi interpelada pelo ministro Franklin Martins, da Comunicação Social, e pela chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff. Na conversa, Matilde ouviu dos ministros que o presidente Lula está muito contrariado com a situação. O recado foi interpretado no Planalto como um desejo do presidente de que a ministra da Igualdade Racial coloque o cargo à disposição. Na quinta-feira 31, temendo serem atropelados por novas denúncias, os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e da Controladoria Geral da União, Jorge Hage, anunciaram medidas que visam à restrição do uso dos cartões. Entre as medidas anunciadas está a proibição de saques em dinheiro para pagamento de despesas cobertas pelo cartão, com exceção dos "órgãos essenciais" da Presidência da República, vicepresidência, e Ministérios da Saúde e Fazenda, Polícia Federal e escritórios do Ministério das Relações Exteriores fora do País. As novas regras prevêem também que ministros só poderão autorizar o saque de 30% do limite, o que precisará ser justificado. As despesas de caráter sigiloso também, no entanto, não foram incluídas na proibição. Os cartões corporativos foram criados em 1998, durante o governo FHC, para substituir as chamadas contas tipo "B", nas quais o servidor pagava as despesas com cheque e depois justificava. Seria uma maneira de custear despesas adicionais. Mas foi no governo Lula que se disseminou o uso do cartão e se implantou a prática de saque em dinheiro vivo na boca do caixa. Resultado: de 2003 para cá, os gastos com os cartões se multiplicaram. Em 2003, apenas os gastos da Presidência somaram R$ 8,4 milhões. Em 2007, o valor saltou para R$ 16 milhões. Já as despesas da União com o cartão pularam de R$ 3,5 milhões em 2002 para R$ 75,6 milhões em 2007. E a farra com o uso dos cartões não parou por aí. Só neste mês, segundo dados da associação Contas Abertas, foram gastos R$ 6,2 milhões pelos órgãos do governo. Do total, R$ 1,8 milhão foi utilizado para custear despesas de funcionários do Palácio do Planalto. Em 2005, 2006 e 2007, 50% dos valores gastos pela Presidência da República representaram saques em dinheiro vivo. "Com o anúncio de medidas para limitar o uso dos cartões, o governo acusou o golpe", ressaltou o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), um dos primeiros a questionar o uso indevido dos cartões pelo governo. "Não conseguiram esconder nem os gastos abusivos que estavam sob o manto do sigilo."
A primeira investigação do TCU a rigor não revela nada que comprometa Lula, sua família e assessores diretos. Envolve apenas funcionários e burocratas menores do Planalto. O problema é que a auditoria mostra que o uso disseminado dos cartões, especialmente o direito de sacar em dinheiro vivo na boca do caixa, é algo muito delicado para se distribuir para 13 mil funcionários públicos. O mais problemático, sob o ponto de vista político, é que pode acabar justificando a criação de uma CPI. A avaliação da oposição é que uma CPI dessa natureza tem potencial explosivo superior à do Mensalão. Afinal, a Comissão Parlamentar de Inquérito tem poder para quebrar sigilos bancários e é muito fácil saber como e onde o dinheiro desses cartões tem sido gasto. Basta ter acesso às faturas.
Saques denunciados Em agosto de 2005, a revista ISTOÉ Dinheiro, em reportagem de capa, revelou com exclusividade que o Tribunal de Contas da União (TCU) já constatava discrepâncias no uso dos cartões corporativos usados pelos funcionários do Palácio do Planalto. Na ocasião, os auditores já estranhavam a natureza dos gastos e principalmente o alto volume dos saques feitos em dinheiro, na boca dos caixas bancários. Foram encontrados pagamentos feitos inclusive para despesas pessoais de familiares do ex-ministro Luiz Gushiken.
Fonte: Rev. IstoÉ, ed. 1996, 6/2/2008.
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