Amazônia para gringo ler
Americanos contam em livro a história de 25 anos de destruição da maior
floresta tropical Jornalistas brasileiros que cobrem a área ambiental já sofriam a humilhação crônica de ver algumas das melhores reportagens sobre a Amazônia serem publicadas por correspondentes de veículos estrangeiros – que têm tempo, dólares de sobra para viajar pelo Norte e não precisam entediar seus leitores com as pequenezas do noticiário político de Brasília. A humilhação suprema, no entanto, chegou às livrarias no fim do ano passado: a melhor obra publicada sobre a floresta em tempos recentes vem assinada por dois gringos. Em "A Última Floresta – A Amazônia na Era da Globalização", os americanos Mark London e Brian Kelly mostram que afinal existe um tipo de internacionalização da Amazônia que funciona: a internacionalização do conhecimento. Em uma reportagem tão ampla quanto profunda, fruto de meses percorrendo reinos tão diversos quanto o da soja de Blairo Maggi e o do garimpo de Sebastião Curió, a dupla consegue capturar o tamanho da transformação operada pelo Brasil na floresta nos últimos 25 anos. E mensurar o desafio político que será manter a maior parte dessa floresta de pé num tempo em que são os humores da bolsa de Chicago – e não mais as vontades de generais em um gabinete com ar refrigerado em Brasília- que determinam o destino do maior patrimônio nacional. London e Kelly não são novatos na área. Sua primeira incursão à Amazônia aconteceu em 1980, quando quem dava as cartas no modelo de ocupação da floresta ainda era a filosofia do "integrar para não entregar". Naquela época, 3% da Amazônia havia tombado. O resultado da viagem, o livro "Amazônia", aparentemente visava exclusivamente o público norte-americano e não emplacou por aqui. Os militares abriram estradas e cidades e jogaram literalmente no meio do mato um vasto contingente de homens sem terra, que recebiam fortes incentivos do governo para desmatar. A floresta era então vista como "entrave" ao "desenvolvimento", um bordão trágico da ditadura que hoje se repete como farsa na boca da esquerda. O resto, como dizem, é história: em 2007, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 16% da maior floresta tropical do planeta havia se perdido. A Amazônia reencontrada pela dupla pertence ao agronegócio moderno, capitalizado e altamente tecnológico, que em poderio econômico (e potencial de devastação) não deve nada aos fazendeiros de Illinois ou de Nebraska (aqui, como lá, esse mesmo agronegócio se diz competitivo, mas depende de ajuda pesada do governo, mas isso é outra história). Nesse sentido, é um dado positivo o fato de "A Última Floresta" ser também voltado ao público americano. Afinal, em última análise são as decisões do mercado consumidor global que determinarão as taxas de desmatamento no século 21. O melhor trabalho de London e Kelly é contar a história do homem na floresta nessa transição. Muita coisa é explicada. Leitores mais jovens entenderão, por exemplo, a gênese da doutrina de segurança nacional que orientou a política da ditadura para a região. Ecos dessa doutrina, décadas depois, ainda assombram o comportamento do governo federal democrático (na forma do Sivam) e explicam a tradicional resistência da diplomacia brasileira ao discutir a Amazônia em acordos ambientais internacionais como o Protocolo de Kyoto e a Convenção do Clima da ONU. A paranóia foi reforçada várias vezes por declarações de gente como o então presidente francês François Miterrand, que defendia a "soberania relativa" do Brasil sobre a Amazônia, e o neoherói do planeta Al Gore, que nos anos 1980 declarou que a Amazônia pertencia "a todos nós". London e Kelly acertam na veia ao comparar a declaração de Gore com um suposto pedido de Mao-Tsé Tung para que os americanos considerassem o milho de Iowa um recurso internacional. O problema do livro é que a maior parte de suas fontes de pesquisa também é gringa, o que faz seus autores cederem a lapsos de simploriedade e a disparates como sugerir que o governo brasileiro entregue às ONGs a fiscalização da floresta, já que o Ibama é incapaz de fazê-lo. Nessas horas, o leitor pára, respira e releva: por melhores que eles sejam, ainda são americanos. Não dá para querer tudo, né?
Fonte: Folha de S. Paulo, Claudio Ângelo, 6/1/2008
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