General alerta: a Amazônia corre perigo
Luiz Gonzaga Schroeder Lessa*

 

O presidente do Clube Militar, general Luiz Gonzaga Schroeder Lessa, concedeu longa entrevista ao Brasil de Fato na sede da Associação Brasileira de Imprensa. O general fez uma radiografia sobre a atuação do Exército brasileiro. Hoje, a prioridade passa a ser a Região Norte - e não mais o Sul do país, como era até bem pouco tempo. Lessa admite que a Amazônia é cobiçada internacionalmente, sendo que a mais recente investida foi feita por Pascal Lamy (francês, ex-comissário do comércio da União Européia e eleito recentemente diretor-geral da Organização Mundial do Comércio) ao afirmar que as florestas tropicais deveriam se constituir em "um bem público mundial". O general faz, ainda, duras críticas à entrega das reservas petrolíferas e de gás para as transnacionais - política que vem sendo adotada desde o governo anterior e seguida pelo atual. Em outubro, o governo quer realizar a sétima rodada de licitação para exploração de gás e petróleo, entregando às transnacionais o controle de nossos recursos estratégicos, uma política suicida, segundo o general.

Brasil de Fato - A visita da secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleezza Rice, ao Brasil esteve inserida também no contexto da cobiça da potência hegemônica pela Amazônia?

General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa - Tudo é possível. A Amazônia sofre uma pressão muito grande internacionalmente. Essas pressões têm se modificado. Recentemente, nós vimos a declaração contundente desse senhor francês Pascal Lamy de que as florestas tropicais (e o Brasil é o maior detentor de florestas tropicais no globo) deveriam constituir em "um bem público mundial", propondo uma governança global desses bens. Trata-se de uma nova roupagem do chamado "patrimônio da humanidade". Essa expressão é muito cara particularmente aos europeus quando se referem à Amazônia. E mesmo também para os estadunidenses. A expressão é uma forma de dizer que a Amazônia não é do Brasil e pertence ao patrimônio da humanidade. Dentro deste contexto, vemos que a pressão nunca acabou. Hoje, é mais sutil e mais forte.

BF - Uma comissão de militares do Exército brasileiro foi ao Vietnã com o objetivo de estudar a resistência popular ao invasor estrangeiro, no caso estadunidense, na década de 60 e 70, e francês, no início dos anos 50. O que o senhor acha desse fato?

Lessa - Nós tivemos uma delegação de oficiais brasileiros no Vietnã, logicamente autorizada pelo governo brasileiro, para observar a experiência que o país teve na luta contra um inimigo muito mais forte, no caso os Estados Unidos. É bom notar o seguinte: o Exército brasileiro já tem desenvolvido, em especial para adaptar as Forças Armadas que atuam na Amazônia, uma doutrina que se chama a "doutrina da resistência". Essa doutrina é o reconhecimento de que nós não temos - e o militar por características de formação tem que ser realista - efetivos militares para enfrentar uma potência de primeiro mundo. Não temos. Então, precisamos montar uma estrutura que permita desestimular aventuras em cima do Brasil. Desenvolvemos na Amazônia a doutrina da resistência que é exatamente a participação popular, a participação das Forças Armadas atuando como forças irregulares, não só guerrilha, mas sabotagens, terrorismo, e todos os atos chamados irregulares para desgastar enormemente esse provável inimigo. É mais ou menos o mesmo conceito que nos liderou na época das guerras contra os holandeses. Eles eram a primeira potência do mundo militar. Levamos 30 anos para expulsá-los, mas expulsamos.

BF - O senhor acha possível uma invasão estadunidense?

Lessa - Não acredito. Primeiro, não há um clima. Ninguém invade um país se não houver um quadro político que dê a moldura e que motive a opinião pública mundial de que aquele país precisa ser invadido. Um exemplo é o Iraque. Houve uma preparação mundial de que existiam armas de destruição em massa etc, etc. Esse motivo é artificial. No caso brasileiro, é uma ameaça que se põe nos nossos horizontes político, social e, particularmente, às nossas futuras gerações.

BF - E as bases estadunidenses em volta do Brasil?

Lessa - O Brasil nunca cederá seu território para bases estadunidenses. Só cedemos parte do território brasileiro para bases no esforço de guerra contra o nazifascismo. E logo que terminou a 2ª Guerra, houve o empenho de imediatamente recuperarmos essas áreas, não deixando que isso se prolongasse.

BF - Como estão os efetivos do Exército brasileiro na Amazônia?

Lessa - Não é de hoje, mas as Forças Armadas, em especial o Exército, viram que a Amazônia é a prioridade do país. Tradicionalmente, pela formação da nossa história, tivemos vários embates no sul que herdamos do conflito português-espanhol. Herdamos esses conflitos em torno da Colônia do Sacramento, de problemas de navegação do Rio do Prata. Assim, a pressão no sul do Brasil sempre foi muito grande. Mas de uns 15, 20 anos para cá, começou uma tendência de inverter o pólo. No sul, tudo concorre para a paz, a partir de uma plena integração econômica e social que nós fazemos. Cada vez mais nós vamos aos nossos vizinhos, nossos vizinhos nos visitam. Mas ao norte, não. Há uma orientação no Estado Maior do Exército de diminuir os efetivos militares no Rio de Janeiro, desconcentrar tropas do Rio de Janeiro e levá-las para a Amazônia. O Comando dessa tropa já está lá, em São Gabriel da Cachoeira. E as unidades já estão em processo de deslocamento. São cerca de três mil homens, com uma característica muito especial: esse pessoal volta-se particularmente para os nossos Noroeste e Oeste, para a Cabeça do Cachorro. Portanto, particularmente voltado para a Colômbia e uma parte para a Venezuela, mas muito mais para a Colômbia do que para a Venezuela. A prioridade do Exército e das Forças Armadas é a Amazônia. A Força Aérea está criando mais bases aéreas lá. E a Marinha vem aumentando o seu efetivo militar, também, na Amazônia Ocidental, com sede em Manaus. Ou seja, as três Forças sabem que problemas futuros do Brasil estarão na Amazônia.

BF - E a Tríplice Fronteira? O senhor não vê uma grande cobiça internacional, sobretudo dos Estados Unidos, pelo Aqüífero Guarani?

Lessa - A partir do 11 de Setembro de 2001, a região da Tríplice Fronteira entrou nesse esquema como área que poderia estar recebendo terroristas palestinos. Todas as averiguações conduzidas pelo Brasil não provam isso. É uma pressão que, sem dúvida nenhuma, os EUA têm levantado mais de uma vez, mas têm encontrado sempre a repulsa da diplomacia brasileira. O Brasil possui 20% da água do mundo, a imensa maioria na Amazônia, apesar de termos regiões de seca. O mundo é faminto de água, um bem escasso. Acredito que vamos ter guerras por água no futuro. E o Brasil precisa ter força e diplomacia suficiente para resistir às pressões que serão feitas. Há dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de que, daqui 30 anos, metade da população mundial não terá necessidades mínimas de água para sua sobrevivência. Quatro bilhões de pessoas sem água e o Brasil com muita água! Como é que vamos fazer? Essa bomba vai estourar nas mãos dos jovens. O Aqüífero Guarani é o maior do mundo, começa por baixo de Paraná, Santa Catarina, entra no Rio Grande do Sul, Argentina, Paraguai e ainda pega o Uruguai. A maior parte desse aqüífero está no Brasil. Diz-se que tem água suficiente para 200 anos. Com essa enormidade de água que nós temos no Brasil, ainda que não bem distribuída, a pergunta que se faz é a seguinte: vamos ter força para impedir que essa água nos seja tirada sem o nosso consentimento? A água vai ser mais importante que o petróleo dentro de 20 ou 25 anos.

BF - O senhor não acha que temos que fazer a proteção sobre o uso de nossa água constar na Constituição, como fez o Uruguai depois de um referendo?

Lessa - Podemos chegar a isso. Ninguém abre mão das suas águas. Nós estamos vivendo um momento em que grande parte da água brasileira está em mãos de empresas privatizadas, nacionais ou estrangeiras. É privatização de hidrelétrica, entre outras coisas, há que se ter no futuro um plano de governo sobre isso, porque continuar privatizando é uma política perigosa.

BF - Em relação ao petróleo e ao gás, o que o senhor pensa das licitações marcadas para outubro pela Agência Nacional de Petróleo? Há tempo para impedi-la?

Lessa - Tempo há, mas eu acho que não há vontade política. Falta um clamor popular para isso. O povo é mal informado, o povo não é motivado para isso. Alguns segmentos brigam contra as licitações, mas a política do governo atual, infelizmente, não é essa. Vejo a política do governo como um suicídio, a médio prazo. Porque o nosso petróleo é escasso. Pesamos pouquíssimo no mercado internacional de petróleo, não chegamos nem a 1%, mas no entanto o que temos é vital para nós. Nós temos reservas mensuradas, em grandes números, nos dá uma previsão de 20 anos. Isso se nós continuarmos com o nível de consumo atual, mas se amanhã tivermos um PIB crescendo um pouco mais, e não tivermos descoberto mais reservas? Todos sabem que o petróleo está em fase de esgotamento. Hoje, já se descobre menos petróleo do que se consome. Então, na realidade, o petróleo tem que ser reservado para um bem mais nobre. É um absurdo isso. Mas enfim, é o que estamos vendo. Então, o Brasil ainda não é auto-suficiente. Temos pouco petróleo. Temos pouca influência em nível mundial no tocante à reserva de petróleo e por que permitir que empresas estrangeiras explorem o nosso petróleo? E pior: que exportem! Explorar para consumo interno até admito. Agora, explorar o petróleo para depois exportálo... Aí é que é uma política suicida. O que eu falo do petróleo, serve também para o gás. Nós temos grandes reservas de gás, estamos descobrindo grandes reservas de gás no mar territorial brasileiro. Agora, permitir com a sétima licitação que está vindo aí que esse gás seja explorado por companhias estrangeiras, e exportados, é um absurdo. E é não estar dentro do mundo globalizado que vivemos hoje. É não enxergar o que está acontecendo no mundo.

BF - Como tem sido o comportamento da grande mídia no Brasil?

Lessa - Infelizmente, a grande mídia não tem abordado os grandes problemas nacionais. É difícil encontrarmos os grandes problemas nacionais abordados sem parcialidade. É difícil entender, por exemplo, por que não encontramos defensores do petróleo. Não vemos quase nada pela preservação de recursos minerais brasileiros. E quando vemos, é a favor de transnacionais, pela abertura do setor. Eu diria que a política dos EUA não é entrar na América Latina, mas sim onde tiver energia. Os EUA têm reserva de petróleo para três a quatro anos; nós temos 20 anos. Você pode imaginar mais de 200 milhões de norte-americanos ficando sem o seu carro, sem o seu aquecimento no inverno, sem a sua refrigeração no verão? Então, eles vão buscar onde estiver. Eles já estão no Iraque, no Afeganistão, já estão falando em Irã, já estão na Arábia Saudita, agora estão indo para a África. E vão buscar energia onde tiver. Participou José Carlos Moutinho.

 

* General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa preside desde 2002 o Clube Militar, cargo para o qual foi eleito duas vezes. Seu mandato acaba em 2006. Esteve na ativa do Exército brasileiro durante 39 anos, tendo participado, como 2º tenente, do Batalhão Suez, das forças de paz dos capacetes azuis das Nações Unidas, em 1958 e 1959, na área de fronteira entre Israel e os territórios palestinos de Rafah, Faixa de Gaza, na Península do Sinai. Entre 1998 e 1999, foi o chefe do Comando.

 

Fonte: BrasildeFato, Mário Augusto Jakobskind e Jesus Antunes, ed. n. 121, 23 a 29/6/2005.


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