Amazônia - uma batalha perdida?
José Goldemberg* 

  

Talvez o exemplo mais claro de insucesso das políticas ambientais
do país seja o desmatamento da Amazônia, que já supera
26 mil km2 por ano, área equivalente ao
Estado de Alagoas.


À medida que o tempo passa, tem-se a impressão de que o governo federal não está realmente empenhado em políticas que protejam o meio ambiente e promovam o desenvolvimento sustentável. Esta não é uma característica apenas do atual governo federal, mas vem de longe.

Na década de 1970, durante o regime autoritário, essa atitude não era disfarçada, como se pôde ver com a defesa do "desenvolvimento a qualquer custo" como prioritária, mesmo em detrimento da defesa da preservação ambiental feita pelos diplomatas brasileiros na Conferência de Estocolmo, em 1972.

De lá para cá, posturas menos agressivas foram adotadas com a escolha de figuras emblemáticas como José Lutzenberger e outros ministros do Meio Ambiente que protegeram o governo dos ataques dos ambientalistas, mas que foram pouco eficazes em proteger o meio ambiente.

Talvez o exemplo mais claro de insucesso das políticas ambientais do país seja o desmatamento da Amazônia, que já supera 26 mil km2 por ano, área equivalente ao Estado de Alagoas.

O problema real que enfrentamos na Amazônia é o conflito entre argumentos racionais e virtuosos (boas intenções, comportamento ético, proteção da biodiversidade, respeito aos direitos das gerações futuras, etc.) e interesses econômicos imediatos que extraem lucros da destruição da floresta (quer retirando madeira, quer criando pastos para pecuária, quer convertendo pastos para plantação de soja).

Quando se trata de analisar as motivações dos seres humanos, a regra é a de que "virtude" não se sobrepõe às "necessidades", como já dizia Maquiavel no passado, mas ela se está confirmando de forma dramática na Amazônia.

Desmatar não é nenhuma novidade nem na História da humanidade nem no Brasil. No passado a mata era vista como um obstáculo ao "progresso" e, de fato, muitas delas foram substituídas por uma agricultura sustentável e próspera, sobretudo na Europa e nos EUA.

Por outro lado, a destruição da base florestal levou ao declínio e à morte civilizações pré-astecas, da Ilha da Páscoa e outras.

A solução deste conflito é a expressão mágica "desenvolvimento sustentável", com a qual todos concordam, mas que muitos não sabem como pôr em prática.

O que a lei brasileira tentou - sabiamente, aliás - foi, por meio do Código Florestal de 1934 e seus aperfeiçoamentos posteriores, determinar que 80% da floresta amazônica deve ser preservada e apenas 20% podem ser derrubados e usados para outros fins (pecuária e agricultura).

Para que esse modelo funcione é essencial a presença forte do Estado, por meio da regulação da posse da terra, do licenciamento para desmatar e da fiscalização. Ele funciona em SP, onde a cobertura florestal está em recuperação, mas claramente não funcionou na Amazônia.

A lógica do lucro rápido estimula a derrubada legal ou ilegal da floresta para a extração da madeira de lei, exportada para o sul do país ou para o exterior, e a criação de pastos.

Por menor que seja a produtividade da terra para pecuária, ela não deixa de ser altamente rentável para quem investe. No rastro da pecuária vêm as grandes plantações usando tecnologias modernas.

Os esforços heróicos de alguns grupos de usar a floresta de modo sustentável, pelo extrativismo ou pela agricultura familiar (sem apoio tecnológico), ou têm rentabilidade baixa ou simplesmente fracassam.

Como, então, enfrentar esta situação? 

Uma das formas de fazê-lo é criar parques nacionais, o que claramente não impediu o avanço do desmatamento, sobretudo em Mato Grosso, onde a parte mais crítica do licenciamento foi entregue ao governo do Estado, justamente o maior interessado no avanço da fronteira agrícola.

Como alternativa ao que determina o Código Florestal, a única coisa que se pode fazer é valorizar a floresta em pé, porque ela é vista pela população que vive na Amazônia (e já são 20 milhões de pessoas) como uma fonte de riqueza que não tem custo (como o ar e a água), tanto pelos pobres como pelos madeireiros e pecuaristas.

O que é preciso fazer é dar-lhe o seu valor real como fonte de recursos naturais, depositária de imensa biodiversidade e produtos (água inclusive) que - se explorados de forma sustentável - vão durar por muito tempo, o que não acontece quando a floresta é cortada.

O que dizem os especialistas é que, se a floresta for removida, o clima do Nordeste vai se tornar ainda mais seco, além das imensas quantidades de carbono que serão lançadas na atmosfera.

Um dos instrumentos de mercado que poderiam forçar os investidores a obedecer à lei na Amazônia é exigir garantias de que a madeira foi cortada de forma não predatória e sustentável.

O governo estadual paulista e a Prefeitura de SP - destino de cerca de 15% da madeira cortada (70% da qual da Amazônia) - acabam de tomar medidas para impedir que entre no Estado qualquer madeira cortada ilegalmente e proibindo o seu uso em obras públicas.

Se os outros Estados brasileiros e os importadores da Europa e Ásia fizerem o mesmo, a situação vai mudar.

Além disso, não será de surpreender se brevemente os países da Europa passarem a exigir certificados de que os produtos agrícolas ou a carne bovina que importarem do Brasil não venham da Região Amazônica usada de forma predatória.

Em pleno regime democrático, não nos vamos deixar levar de novo pela paranóia de que são os estrangeiros os únicos que querem "proteger" a Amazônia, pela sua "internacionalização", já que os brasileiros não seriam capazes de fazê-lo.

O que está em jogo na Amazônia é o interesse dos brasileiros que lá vivem e compete a nós garantir a sua sustentabilidade.

A melhor forma de enfrentar ameaças de internacionalização é mostrar a todos que estamos protegendo a maior floresta tropical do mundo, cuja degradação terá também gravíssimas conseqüências para o resto do Brasil.


* José Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado de SP.
 

Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/06/2005.


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