Alto lá, em nome da lei
Em O
País dos Petralhas, Reinaldo Azevedo, o melhor blogueiro do país,
conta sua luta diária com a turma da situação
Um
petralha indignado pergunta a Reinaldo Azevedo como ele consegue dormir
em paz. Resposta:
– Com Stilnox.
E conclui:
– Por isso defendo os
laboratórios, as patentes e a propriedade intelectual.
Esse é o resumo
perfeito de O País dos Petralhas (Record; 337 páginas; 38 reais). O
livro reúne os melhores textos de Reinaldo Azevedo sobre o petralhismo,
publicados em seu blog em VEJA.com desde junho de 2006 e, antes disso,
em sua coluna em O Globo. O que significa "petralha"? Um glossário, no
fim do livro, esclarece: "Neologismo
criado da
fusão das |
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BASTANTE CONVENCIONAL
Reinaldo Azevedo: "No auge de minha esquisitice, defendo o cumprimento
da lei" |
palavras
‘petista’ e
‘metralha’ –
dos Irmãos Metralha, sempre de olho na
caixa-forte do Tio Patinhas. Um petralha defende o roubo social". |
O roubo social é uma
disciplina que, praticada pelos operadores do petralhismo entranhados no
partido e no setor público, se baseia no – como dizer? – roubo. Pode ser o
roubo para eleger um candidato, ou o roubo para enlamear um opositor, ou o
roubo para encher as burras de dinheiro. Em geral, tudo isso junto. Para que
um petralha possa roubar sem constrangimentos, ele precisa contar com a
cumplicidade de outros petralhas, enfronhados na imprensa, na internet, nas
salas de aula, nos gabinetes, nos tribunais, nas delegacias, nas rodas de
samba. O papel deles é fazer a defesa teó-rica do banditismo, acobertando
todos os crimes cometidos em nome do partido. Esta é a gangue que Reinaldo
Azevedo combate: a gangue que violenta as idéias, que corrompe os conceitos,
que brutaliza a verdade. Se o Brasil do PT é Patópolis, Reinaldo Azevedo só
pode ser o nosso Mickey.
Ele, o camundongo
sabido de Dois Córregos, é o melhor blogueiro do país. O termo blogueiro,
para quem está acostumado só com a imprensa escrita, pode soar ligeiramente
depreciativo. Corrigindo: Reinaldo Azevedo é o melhor articulista do país. É
o único capaz de passar com desenvoltura de Robert Musil à egüinha Pocotó,
de G.K. Chesterton a Marilena Chaui, de Ortega y Gasset a Marco Aurélio
Garcia. Com 900 000 páginas lidas todos os meses, seu blog é também um dos
mais populares da internet. O resultado é espantoso: se, num dia, ele indica
um filme no Youtube, como aquele sobre a pancadaria da PF em Raposa Serra do
Sol, no dia seguinte o filme já contabiliza 18 000 espectadores.
Para nossa sorte (eu,
Diogo, sou uma das centenas de milhares de macacas-de-auditório de Reinaldo
Azevedo, e entro no blog umas cinco vezes por dia, como a média de seus
leitores), o melhor articulista do país é igualmente o mais compulsivo.
Reinaldo Azevedo trabalha sem parar. Até a última quarta-feira, seu blog já
publicara 14 943 artigos. Dois anos atrás, os médicos abriram uma tampa em
seu cocuruto e arrancaram lá de dentro dois hemangiomas ósseos do tamanho de
bolas de gude. Três dias depois, no quarto do hospital, ele já estava na
frente do computador, fazendo chacota de seu aspecto de golfinho Flipper e
de seus tumores benignos – o único produto benigno saído de sua cachola. |
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LADRÃO É LADRÃO
Irmãos Metralha, os
inspiradores do título |
Reinaldo Azevedo
costuma escrever seu primeiro artigo às 3 da tarde, quando acorda, e o
último às 5 e meia da madrugada, quando toma seu comprimido de Stilnox e vai
dormir. Ao petralha indignado: Reinaldo Azevedo nunca dorme em paz, ele
dorme em guerra. Em guerra contra os petralhas indignados, contra os
esquerdopatas, contra os tocadores de tuba, contra o Apedeuta (consulte o
glossário de O País dos Petralhas). Isso lhe rende, todos os dias, centenas
de mensagens ofensivas. Chamam-no de canceroso, de nazista, de Opus Dei. A
primeira triagem dos comentários dos leitores, em que se eliminam todos os
insultos, é feita por sua mulher. Ela se chama Lilian, mas os leitores do
blog a conhecem como Dona Reinalda. Há também as Reinaldinhas, suas duas
filhas, Maria Clara, de 13 anos, e Maria Luíza, de 11.
Apesar de estar sempre
em guerra, Reinaldo Azevedo se considera "bastante convencional". O que isso
quer dizer? Quer dizer que ele chama "crime de crime, ladrão de ladrão,
bandido de bandido". E acrescenta: "No auge de minha esquisitice, defendo o
cumprimento da lei". Essa é uma idéia repetida incessantemente ao longo do
livro. Para ele, "a impunidade destrói qualquer chance de futuro. Se a lei é
cumprida, entra-se numa espiral positiva de direitos e deveres". Por isso
ele se bate pelas leis e pelas regras da democracia, da gramática, da
lógica, dos bons costumes e da patente dos remédios. No país dos petralhas,
o assombroso é ficar do lado da lei.
Trecho de O
País dos Petralhas,
de Reinaldo
Azevedo
A CACHAÇA DOS INTELECTUAIS E A IMPRENSA
A FÁBULA PETISTA E O DEMÔNIO TOTALITÁRIO*
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"Tudo o que é bom para
o PT é ruim para o Brasil." Não é a primeira vez que escrevo sobre a frase
que mais me rendeu protestos. Até alguns "conservadores" fizeram um muxoxo:
"Cheira a preconceito." E daí? O preconceito também é uma realidade
discursiva definida por marés influentes de opinião. Não ter alguns
corresponde a reforçar outros. Vejam dom Tomás Balduíno, que trocou a
Teologia pela Escatologia da Libertação. Ele acredita que lugar de
auto-intitulados sem-terra é quebrando o Parlamento ou tungando propriedade
alheia. Opor-se a tal prática seria preconceito.
Um "progressista" tem
de estar afinado com os deserdados profissionais dos padres, das ONGs e do
Chico Buarque. Os "conservadores" preferem
ficar no
armário, praticando
uma |
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ideologia que não ousa
dizer seu nome. Ou vão para a fogueira. A esquerda
leva vantagem na guerra de valores. Jornalistas acham normal ter como fonte
um ladrão - sobretudo se ele roubar em nome da causa -, mas fogem de um
"reacionário" ou "direitista". Supostas maiorias teriam mais direito a
preconceitos do que um indivíduo. Com efeito, não existiria totalitarismo
sem as massas e suas rebeliões - aprendi com Ortega y Gasset, antes ainda de
começar a fazer a barba.
Sou tentado a defender
o direito que todos temos de ter alguns "preconceitos". Um sujeito cem por
cento tolerante é desprovido de moral pessoal e imprestável para uma ética
coletiva. É preciso dizer em certos casos: "Isso não!" Um homem sem
preconceitos é um empirista empedernido, uma besta, um monstro amoral.
Há um quarto de século
toleramos a ladainha petista sobre "um outro mundo possível". Até há pouco,
os petistas nos vendiam um certo "socialismo democrático", binômio
antitético que a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) ressuscitou em entrevista
ao programa Roda Viva. A propósito: ela afirmou lá que apenas 17% das terras
agriculturáveis do país são cultivadas. Seria mentira ainda que Marina Silva
derrubasse a floresta amazônica e secasse o Pantanal para plantar soja. Não
foi contestada em sua logorréia narcotizante. Uma bobagem choca; uma penca
delas paralisa os sentidos, especialmente se vêm embaladas naquela cascata
de disparates reiterados por sinonímias vertiginosas.
Nunca houve socialismo
democrático ou marxismo cristão. Quem acata essas bobagens ou está
comprometido com a causa ou procura ser simpático com os "progressistas".
Não ambiciono a ração de boa vontade de adversários. O socialismo matou
quase 200 milhões para criar o "novo homem", e sua primeira vítima foi a
liberdade. Tentam pôr no meu colo os mortos das ditaduras de direita.
Dispenso-os. Façam como eu: joguem todas elas no lixo. Esquerdistas, no
entanto, não reconhecem em Fidel Castro um facínora e têm num homicida
compulsivo como Che Guevara um herói, ainda a render filmes e rococós
sentimentais. Entronizam um bufão como Hugo Chávez no posto de futuro mártir
das causas populares. "Mártir"? Eu e minhas esperanças...
Que bom se a esquerda
light e a socialdemocracia estivessem certas, e tudo isso cheirasse à
naftalina da guerra fria, sepultada sob os escombros do Muro. Mas estão
erradas, e a metáfora é óbvia demais. No Brasil, as seduções do demônio
totalitário estão ativas e plasmadas no PT, que segue o figurino do Moderno
Príncipe gramsciano. É confortável para os covardes a suposição de que a
lenda lulo-petista se esgota no clepto-stalinismo dos quarenta
quadrilheiros. É uma forma de colaboracionismo.
Essa lenda contamina
as instituições e busca mudar a natureza da democracia. Leiam o texto a
seguir:
O Moderno Príncipe,
desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais,
uma vez que seu desenvolvimento significa, de fato, que todo ato é concebido
como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em
que tem como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe e serve ou para
aumentar seu poder ou para opor-se a ele. O Príncipe toma o lugar, nas
consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de
um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas
as relações de costume.
É como Gramsci queria
o "partido" que faria a transição para o socialismo aproveitando-se das
fragilidades da democracia. Leninismo e fascismo em pacote único. Ele já
havia aposentado as ilusões armadas na Europa, mas não a tara totalitária. O
PT também arquivou as ambições socialistas - embora financie tropas de
assalto à democracia -, mas não a vocação para submeter a sociedade a um
ente de razão partidário.
Os sem-preconceito e
liberais de miolo mole vêem o partido de Lula seguindo a bula dos mercados e
o supõem convertido. Será? O que antes era "criminoso" passou agora a ser
"virtuoso" na medida em que "tem como ponto de referência o próprio Moderno
Príncipe". Ele é capaz de "subverter todo o sistema de valores intelectuais
e morais". E até os ju ros reais mais altos do mundo se tornam variantes de
um "imperativo categórico".
A trama criminosa é só
entrecho de narrativa mais ambiciosa. Nem a eventual derrota de Lula poria
fim a essa história. Se vitorioso, o PT tentará perpetuar-se no poder
mudando as regras do jogo: o caminho é tornar irrelevantes as eleições como
meio de alternância de poder. E pode fazê-lo fingindo obediência ao rito
democrático. É de sua natureza. Se derrotado, a "Al-Qaeda" - rede presente
nos três Poderes, sindicatos, fundos de pensão, igrejas, estatais, imprensa,
movimentos sociais e ONGs - tentará emparedar o próximo governo por meio do
confronto e da chantagem. O que fazer? Dizer não ao demônio totalitário.
Outras divergências são secundárias.
Tudo o que é ruim para
o PT é bom para o Brasil.
* Artigo publicado em O Estado de S. Paulo em 19 de junho de 2006.
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Fonte: Rev. Veja, Diogo Mainardi, ed. 2078,
17/9/2008.
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