A ALCA E A POLÍTICA
EXTERNA A 20 de junho passado, durante sua curta visita aos EUA, a presidente Lula assinou um comunicado junto ao imperial presidente dos EUA, George Bush Jr., assumindo o compromisso de “cooperar para a conclusão bem-sucedida” da implantação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) dentro do prazo previsto (janeiro de 2005). Uma semana antes, a 13 de junho, 14 ministros latino-americano, reunidos em Maryland, em um encontro organizado pelo representante de comércio dos EUA, Bob Zoellick, se comprometeram informalmente em destravar as negociações da ALCA. A ALCA, cujo processo se iniciou em 1994, tenta criar uma zona de livre comércio desde Alaska até a Terra do Fogo, com a participação de 34 paises, co o potencial de 800 milhões de consumidores. Até agora há grandes temas sem solução, como a agricultura, devido à política de subsídios agrícolas pelos EUA. Brasil, que compartilhar a presidência do processo negociador com os EUA, avançara precisamente a idéia de uma ALCA reduzida, embora o chanceler Celso Amorim aclarasse que não se tratava de uma “ALCA light”. Formalmente, ainda, não está nada decidido, e será necessário esperar a reunião de ministros a ser celebrada em Miami, no mês de novembro próximo. Ao encontro de 13 de junho assistiram delegados de Brasil, México, El Salvador, Jamaica, Trinidad-Tobago, Colômbia, Peru, Chile, Argentina, Paraná, República Dominicana e Uruguai, além dos EUA. Segundo os EUA, no entanto, antes de novembro haverá outras reuniões “informais”, que serão postas agora diante do fato consumado do acordo Lula-Bush, depois dos EUA terem praticamente abandonado a perspectiva de iniciar a ALCA em 2005. Seu propósito era alcançar um tratado em finais de 2005, para que durante 2006 os 34 parlamentos dos 34 países aprovassem o documento para estabelecer a zona de livre comércio. Desde que nascera a idéia da ALCA, o principal obstáculo foi a negativa dos EUA de incluir nas negociações os subsídios e a abertura de seu mercado aos produtos da região: “Não podemos abrir nosso mercado agropecuário enquanto os EUA mantenham esse nível de subsídios ”, disse o vice-presidente peruano, Raúl Diez Canseco, antes de ir a Maryland. Os países latino-americanos insistiram na inclusão do tema agrícola na ALCA, não só dos bens e serviços, como pretende Washington. Por ocasião do “II Encontro Nacional contra a ALCA”, realizado em La Paz de 6 a 7 de junho, com mais de 3.000 pessoas, o vice-ministro boliviano de Industria e Comércio comentou: “Protestam contra a ALCA sem sequer saber o que é”. Um camponês respondeu: “É muito possível que muitos de nós não saibamos no detalhe tudo sobre a ALCA, mas temos bom olfato e sabemos que cheira mal, muito mal”. O Secretário de Estado do governo de Bush, Colin Powell, disse literalmente: “Nosso objetivo com a ALCA é o de garantir para as multinacionais norte-americanas o controle de todo o território desde o Pólo Ártico até a Antártica, com livre acesso e sem obstáculos para nossos produtos, serviços, tecnologia e capitais, em todo o hemisfério”. Esse “domínio territorial” abarca a totalidade dos bens econômicos da região, como recursos hídricos e mineralógicos, gás, biodiversidades, etc: um projeto neocolonial. A ALCA não é um projeto de integração, mas de anexação e subordinação ao capital financeiro transnacional. Sem nenhuma compensação para os países mais fracos, não busca a adequação e integração entre economias tão diferenciadas como a dos EUA e América Latina que, em níveis tão assimétricos, não podem relacionar-se de modo minimamente eqüitativo. Os EUA declararam que preferem um acordo regional, ou seja, a ALCA em vez de tratados bilaterais: além do Tratado de Livre Comércio (TLC) com México e Canadá, Washington firmou um acordo bilateral com Chile depois de 10 anos de negociações, e agora está negociando outro convênio com cinco países da América Central, mais insiste na ALCA. Em relação à ALCA, Venezuela expressou abertamente suas objeções, considerando-a como parte de uma tentativa hegemônica dos EUA. A ALCA é um tratado de desregulamentação e flexibilização comercial e financeira entre a maior potencia econômica, financeira, cultural, mediática, científica, tecnológica e militar, os EUA, e seus vizinhos, para enfrentar a concorrência européia e asiática, visando: 1) Consolidar sua hegemonia político-militar, trasladando os mecanismos de controle atingidos durante a guerra fria para uma suposta “guerra contra o narco-terrorismo ”; 2) Controlar as crises e explosões econômico-sociais do continente e evitar migrações “descontroladas” de hispano-americanos para os EUA; 3) Garantir o acesso preferencial dos investidores norte-americanos aos recursos estratégicos do hemisfério, especialmente na região andino-amazônica (petróleo, gás, minerais e madeiras) e também aos recursos básicos (biodiversidade genética, água, oxigênio) transformados em mercadoria; 4) Monopolizar os mega-projetos estratégicos de integração do continente, como a grande rede intermodal de transporte, o sistema de tele-comunicações por satélite e cabo, e a produção de energia. Para a região andino-amazônica, a ALCA pretende desenvolver os seguintes objetivos específicos: a) O canal alternativo ao de Panamá no Choco colombiano (Atrato-Truandó); b) A rede fluvial sul-americana (SARS-IFSA) que uniria o rio Orinoco com os rios Negro, Amazonas, Madeira, Mamoré-Guaporé, Paraguai, Tietê, Paraná e Rio da Prata; permitindo o transporte fluvial desde Venezuela até Buenos Aires; c) A comunicação a partir do delta do Amazonas com o Oceano Pacífico, através do rio Putumayo, atravessando os Andes pelo seu ponto mais estreito e baixo para chegar por auto-estradas ao porto de Tumaco (Nariño) em Colômbia, e até San Lourenzo (Esmeraldas) no Equador; d) O domínio da zona chamada “das cinco fronteiras”: (Colômbia, Equador, Peru, Brasil e Venezuela) onde se encontra um gigantesco lençol de petróleo compartilhado, na atualidade explorado por esses países, e enviados por dutos transandinos aos portos de Tumaco e Esmeralda; e) A “estrada marginal da selva” que desde Peru chegue até o Surinam; f) O controle da região onde nascem os grandes rios originam a reserva de água doce mais importante do planeta, no Grande Amazonas: os rios Caquetá Putumayo, Apaporis e Vaupés na Colômbia, Napo em Equador, e Marañón e Ucayalli no Peru. O sociólogo francês Alian Touraine, por sua vez declarou que o Mercosul, bloco integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, tendo como associados Chile e Bolívia, “terminou”, em virtude da “inevitabilidade” da ALCA. No entanto, “o Mercosul se revitalizou”, concluíram os jornais depois da viagem do presidente argentino Kirchner ao Brasil, a inícios de junho. Mas só uma semana depois, quando da cúpula de presidentes do Mercosul, em Assunção, comentou-se: “Mais uma vez as ambições não chegaram ao papel. A cúpula do Mercosul fechou com uma declaração de 24 pontos e um anexo, que não reproduzem nem de perto os objetivos insinuados pelos presidentes Kirchner e Lula em seu projeto comum de relançar o bloco regional” (Clarín, 19/6). Os grande temas passaram para 2006, incluída a “moeda comum”. Lavagna, Ministro da Fazenda de Kirchner, veio com a política de travar as importações argentinas do Brasil, com base na reclamação da Unión Industrial Argentina.Também fez agua a integração do Mercosul via empreendimentos de infra-estrutura. Lula, que tinha oferecido a Kirchner o financiamento de obras bilaterais através do BNDES, informou que, por primeira vez, o banco estatal teve, nos primeiros três meses deste ano, um forte “déficit operativo” de 1,059 bilhões de reais (quase 400 bilhões de dólares) devido a que grandes empresas não estão honrando seus compromissos: os empréstimos morosos do banco cresceram do 1% até o 4,5%. O que o BNDES re-financiaria é a reciclagem dos antigos engenhos de açúcar do Nordeste, enfrentando os produtores argentinos. A crise internacional não abre nenhuma fenda para o Mercosul: o Comissário de Comércio da EU, Pascal Lamy, advertiu que não se cogita considerar a eliminação ou redução dos entraves europeus às exportações latino-americanas. A União Européia decidiu adiar o tratamento da reforma dos subsídios à agricultura, por divergências internas e com os EUA, não tem nada que propor, então, ao Mercosul. A proposta de Lamy foi de “avançar em outros pontos, como bens industrias, serviços e investimentos” (O Estado de S.Paulo, 21/6). Com a ALCA, a situação é semelhante. O negociador da Casa Branca, Peter Allgeier, se recusa a aliviar os entraves para o ingresso de produtos latino-americanos nos EUA, mas insiste na criação de normas que protejam as inversões de empresas dos EUA na região. É com essa condição que se vinculam os acordos políticos mais recentes dos governos sul-americanos, expostos a seguir. Pouco antes do acordo Lula-Bush (ou Bush-Lula), a cúpula de presidentes latino-americanos (Grupo Rio), reunida em Cuzco, solicitou a intervenção das Nações Unidas no conflito da Colômbia. O “Conselho de Cuzco” reclama que a ONU chame às FARC a desarmar-se e iniciar negociações de paz, pois, se não o fizer, “se buscariam outras alternativas”. Segundo o presidente Uribe, “a mediação da ONU constitui a última oportunidade para a paz e, se rejeitada pela guerrilha, ela deverá ser “derrotada militarmente com apoio internacional”. Essa colocação leva a assinatura de Lula, Lucio Gutiérrez, Lagos e o representante de Kirchner, mas foi criticado por Chaves. No mesmo dia, os chanceleres do G-8, reunidos na França, respaldaram em forma incondicional “a ação do presidente Uribe e do governo colombiano em favor do fortalecimento da autoridade do Estado” e sublinharam seu “apoio sem reservas à política de firmeza diante dos grupos armados ilegais”. Condolezza Rice, secretária de Segurança Nacional dos EUA, disse que “os EUA são contrários a negociação com os terroristas (conlombianos)”. Se está preparando uma intervenção militar na Colômbia. No XIV Encontro da Comunidade Andina de Nações (CAN), na Colômbia (Lula foi convidado a participar) o presidente colombiano, Álvaro Uribe, afirmou que “para enfrentar e derrotar o narcotráfico e os grupos insurgentes armados se requer a ajuda dos países vizinhos”. Um dia depois, segundo La Nación (15/6) “o governo de Kirchner (disse que) pretende atuar em sintonia com Brasília, onde emergiram sinais em favor de uma resposta positiva ao pedido de Uribe” (grito nosso). É claro que o objetivo não é o “narco-terrorismo”, mas a situação estratégica fundamental de Colômbia, como “esquina” entre ao mares Caribe e Pacífico, e como ponte para a Amazônia, os Andes e a Venezuela. Na Argentina, os Estados Maiores das Forças Armadas esperam a confirmação oficial do Congresso Nacional do pedido de “imunidade” para a entrada dos efetivos militares norte-americanos, para os exercícios Aguila III, que se realizarão entre a última semana de outubro a primeira de novembro, no que foi descrito como “manobras de combate, exercício já realizado na América Latina, incluindo sete países (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai, Bolívia e os EUA), que durará 14 dias, com 70 vôos por jornada”. Sob o governo De la Rua, o Poder Executivo já autorizara o ingresso de tropas especiais dos EUA em operações de “um suposto campo de batalha composto por civis, organizações não governamentais e agressores potenciais”, segundo denuncia dos deputados Das Neves, Gustavo Cordesa, Alfredo Bravo, Alfredo Villaba, Marcela Nordenave, Ramon Torres Molina e Alicia Castro. As operações precederiam a instalação de bases norte-americanas na Patagônia, no “Plano Escudo Antimísseis” dos EUA em troca da dívida externa. Com o acordo Brasil-EUA para a implantação, nos prazos previstos, da ALCA, abre-se a porta para um vasto plano de colonização econômica, política e militar da América Latina pelos EUA. Razão mais do que suficiente para exigirmos, com mais força do que nunca, a retirada do Brasil das negociações da ALCA, e a realização de um plebiscito oficial sobre a adesão do país ao “Tratado de Livre Ocupação da América Latina”. |