Que papel exerce a OMC no
mundo atual?
O grande problema com a Organização Mundial do Comércio é que, sem que as
opiniões públicas do mundo inteiro fossem advertidas, criou-se um governo
econômico mundial, ao qual devem submeter-se todos os países membros,
abdicando de pontos importantes de sua soberania.
Vejam bem o que aconteceu com a União Européia. Os povos europeus
renunciaram a aspectos importantes de sua soberania por exemplo o de cunhar
suas próprias moedas. Mas, tudo isto foi debatido e, mais que isto, o
tratado foi submetido a plebiscito em todas as nações. Além disso nem todos
os países europeus aprovaram a moeda única, alguns preferiram ficar fora.
Com a OMC é diferente. Ela foi criada em 1995 e ficou estabelecido, entre
outras coisas, que os países deverão, sem consultar suas populações,
modificar suas constituições e legislações para adequá-las aos acordos
firmados dentro da OMC.
Esta organização engloba poderes executivos, legislativos e judiciários,
mantendo uma espécie de tribunal, cujas decisões, na prática, não comportam
revisões e que não podem ser revistas pelos tribunais nacionais.
E a educação, como entra
nestes tratados?
Para ser gentil, diria que de maneira preocupante. Nos acordos firmados no
quadro da OMC, em particular no Acordo Geral de Comércio de Serviços,
estabeleceu-se que todos os serviços devem submeter-se às normas da
organização.
A exceção são os serviços fornecidos no exercício da autoridade
governamental e não sejam providos numa base comercial nem permitam a
competição. Mas o secretariado da OMC deixou claro que a educação pode ser
tratada como serviço comercial. E, mais tarde, elaborou uma lista de
serviços que inclui praticamente todas as funções governamentais, inclusive
meio ambiente, saúde e educação.
E que impacto estas
discussões, caso sejam colocadas em prática, podem ter sobre as políticas
educacionais do país?
O diretor geral da OMC, que nisso é seguido por vários governantes e
diplomatas na América Latina, disse que isto não cria nenhum problema,
porque os países são livres para colocar em jogo a abertura dos serviços
educacionais.
Não é seguramente o que pensam os norte-americanos que, embora digam que
respeitam os serviços públicos dos demais países, apresentaram
reivindicações extremamente detalhadas sobre a liberalização do setor,
indicando como obstáculos inclusive as subvenções a instituições nacionais.
E como o ensino superior
fica neste contexto?
Acredito que face à situação atual do mundo, a discussão sobre o papel de
cada estabelecimento de ensino superior é essencial. E nesse debate a
definição de um projeto para cada país ou grupos de países, é fundamental.
Muitos estão dizendo que levantar esta questão é inútil porque a
comercialização já está aí. A prova é o fato de 70 a 80% dos estudantes de
nível superior estarem matriculados, no Brasil, em estabelecimentos
particulares.
Mas este é outro debate. Em direito público, aprende-se que os governos e aí
não é só o Executivo, são os outros poderes também, têm o direito de usar do
sistema de delegação, concessão ou autorização que permite que instituições
de direito privado exerçam funções públicas.
Isto deve ser feito dentro de regras claras, definidas por lei e objeto de
discussão com a sociedade. Caso um governo não exerça sua função de defesa
da população, de defesa do serviço público, o sistema prevê elementos
corretivos, no Legislativo e nos tribunais.
Além disso, os cidadãos bem formados terão sempre a possibilidade de
penalizar os governantes nas eleições. Nesta matéria, como em outras, o que
é necessário, desde já, é solicitar dos candidatos a presidente e aos demais
postos eletivos, posições claras sobre estes temas.
Com a educação reduzida
exclusivamente a critérios de mercado, qual seria o impacto na qualidade e
acesso à educação no país?
O que está em jogo é toda uma concepção de educação. O que se pretende é
inaceitável para quem considere o ensino superior como o local onde se
formam cidadãos que vão construir uma nação autônoma e soberana.
A proposta de comercialização visa também a reforçar o pensamento único, a
eliminar as diferenças culturais, a impedir o desenvolvimento das
especificidades nacionais. Promove-se, assim, a manipulação de consciências
para que se aceite a idéia de que a globalização, conduzida nos interesses
dos países ricos, é inevitável e que não há outra alternativa para a
constituição das sociedades.
O senhor acredita que o
capital estrangeiro vai investir pesado no setor de aducação nos países
latinoamericanos?
Olhem bem: nesta matéria, a questão do dinheiro não é brincadeira. Estamos
falando de bilhões de dólares. Um estudo do banco Merril Lynch calculou o
mercado mundial de conhecimento através de internet em 9.4 bilhões de
dólares no ano 2000, quantia que subiria a 53 bilhões em 2003.
Em 1996, segundo a própria OMC, os serviços educativos exportados pelos
Estados Unidos já eram da ordem de 7 bilhões de dólares, fato que tornou a
educação superior o quinto mais importante setor de exportação em serviços
daquele país.
Fonte: ANDES-SN (Últimas). |