A ágil caneta do presidente
 

Nunca ninguém editou tantas medidas provisórias como Lula 
 

  Lula acaba de bater um incômodo recorde: nunca um presidente da República, desde a Constituição de 1988, fez uso tão intensivo de medidas provisórias, as MPs – papeluchos que, basta o presidente assinar e mandar ao Congresso Nacional, passam a ter força de lei como se o chefe do Executivo fosse, sozinho, a personificação de 594 deputados e senadores. Inspirados na legislação da Itália da II Guerra Mundial, os constituintes brasileiros de 1988 queriam que as MPs dessem ao presidente da República a necessária agilidade para tratar de temas relevantes e urgentes. As medidas, subvertido seu propósito original, passaram a ser usadas para praticamente qualquer coisa. Fernando Collor editou MP para comprar um automóvel para uso do vice-presidente Itamar Franco. Fernando Henrique Cardoso chegou a assinar MP para comprar latas de goiabada. Lula, em 23 meses de gestão, já cravou uma média de 5,4 MPs por mês, marca inédita desde o governo do presidente José Sarney (veja quadro).

  Antes, as MPs eram assinadas pelo presidente, o único com tal prerrogativa, e podiam ser reeditadas indefinidamente. A MP que criou o Plano Real, por exemplo, foi reeditada 73 vezes, até ser aprovada pelo Congresso, seis anos depois de sua primeira edição. Em 2001, a farra acabou. Desde então, uma MP precisa ser apreciada pelo Congresso em até 45 dias. Caso contrário, não se pode votar mais nada. Com isso, resolveu-se o problema das MPs reeditadas anos a fio sem aprovação legislativa, mas criou-se outro: a pauta do Congresso vive trancada por MPs ali desembarcadas há mais de 45 dias – e, não conseguindo fazer outra coisa além de votar montanhas de MPs, o Legislativo vira apêndice do Executivo. No governo Lula, tudo é MP. É MP para ajudar o Senegal a combater a praga do gafanhoto. É MP para amparar as vítimas de um incêndio no Paraguai. É MP para dar status de ministro ao presidente do Banco Central. Na noite de quinta-feira passada, a Câmara aprovou uma nova MP. De que tratava? Reduzia o imposto sobre o fubá...

 
  O
uso abusivo de medidas provisórias, que acaba solapando a função legislativa do Congresso, é um dilema mais ou menos antigo – mas, em Brasília, parece que ninguém tem muito interesse em resolvê-lo. O presidente da República, seja ele quem for, resiste a renunciar a um instrumento tão ágil, cômodo e poderoso. Os deputados e senadores, por sua vez, adoram reclamar do excesso de MPs. Mas a comissão parlamentar que deveria analisar a relevância e a urgência de uma MP antes de aceitar sua tramitação no Congresso reuniu-se uma única vez nos últimos dezesseis anos. "Com a restrição do uso de MPs, os parlamentares terão de aprovar mais leis e com muito mais rapidez. Será que eles querem isso?", questiona o cientista político Fernando Abrucio, da Fundação Getulio Vargas. Pelo visto, não.



Fonte: Revista Veja, Alexandre Oltramari, Edição 1.884, 15/12/2004


Ministro Aldo Rabelo admite que Lula exagerou em MPs

WILSON SILVEIRA
Agência Folha – Brasília

O ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, admitiu ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exagerou na edição de medidas provisórias. Desde sua posse até hoje, Lula editou 95 MPs.

Em comparação com igual período (um ano e meio de governo), Lula superou todos os seus antecessores. No primeiro ano, foi superado por Fernando Collor, mas já o ultrapassou também levando em conta os seis meses do segundo ano. O PT sempre foi um dos principais críticos do excesso de MPs em governos anteriores.

Nos primeiros 24 meses do seu primeiro mandato, o então presidente Fernando Henrique Cardoso editou 71 medidas provisórias. Das 95 MPs editadas por Lula em 18 meses, 77 foram convertidas em lei, 16 estão em tramitação, uma foi revogada e uma rejeitada.

“De fato, o elevado número de medidas provisórias dificulta a atividade normal e ordinária do Senado e da Câmara. O governo comprometeu-se diante dessa situação a fazer um supremo esforço de diminuir a edição de MPs”, disse Aldo.

Para ele, o problema é que, “às vezes, os ministros têm coisas que julgam urgentes para resolver e sempre imaginam que a MP é um atalho para resolver essas questões”. Segundo Aldo, “o governo reconhece que, em determinados momentos, editou um número de MPs a mais do que seria prudente para o bom andamento dos trabalhos da Câmara e do Senado”.

Se não for aprovada em 45 dias, o que normalmente acontece, a medida provisória tranca a pauta da Câmara. Depois de aprovada, já chega ao Senado trancando a pauta, já que o prazo de 45 dias se refere à tramitação nas duas Casas.

Recentemente, os presidentes da Câmara e do Senado, João Paulo Cunha (PT-SP) e José Sarney (PMDB-AP), embora aliados do governo, apontaram a excessiva edição de medidas provisórias. “Os dirigentes do Congresso têm razão ao fazer esse registro”, disse Aldo. 

Fonte: Diário de Cuiabá, Edição nº 10.967 de 15/07/2004.


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