Congresso da UNE debate reforma universitária e rumos do governo Lula 

 

Três temas centrais devem dominar os debates do encontro que
ocorre em Goiânia: o cenário político brasileiro e as denúncias de
corrupção que se abateram sobre o governo, o anteprojeto de
reforma universitária e a eleição da nova diretoria da
União Nacional de Estudantes (UNE).

 

Começou nesta quarta-feira (29), estendendo-se até o domingo (3), em Goiânia, o 49° Congresso da UNE (União Nacionaldos Estudantes), conhecido como Conune. Famoso pela disputa de poder entre campos ideológicos e pelas discussões acaloradas, o Congresso traz três temas centrais: o cenário político brasileiro, imerso em denúncias de corrupção contra o Governo Federal; o controverso anteprojeto de Reforma Universitária; e o próprio movimento estudantil, que escolhe a nova diretoria da UNE para os próximos dois anos.  

Apoiar criticamente o governo Lula é prioridade, de acordo com o presidente da UNE Gustavo Petta (da PUC-Campinas), do campo União da Juventude Socialista (UJS), ligado ao PC do B. Ele afirma que o governo do PT, cujas marcas são a defesa da ética e da mudança social, está sendo desestabilizado por partidos de oposição, como PSDB e PFL. Recentemente a UNE assinou com o MST e a CUT o documento “Carta ao Povo Brasileiro”, em que denuncia o “golpe” da direita, a mesma que no passado contribuiu para enterrar CPIs. “A ética do PT está sendo contestada pela mídia e pela oposição, que têm em vista as eleições de 2006. Por isso Lula deveria fazer uma investida na outra bandeira, a de mudanças sociais”, diz Petta.

As três entidades são ligadas à Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), que vai às ruas durante o Conune para apoiar o governo Lula, com uma passeata e ato político na sexta-feira. Petta diz que o governo deve resistir ao “canto da sereia da direita brasileira”. Rodrigo Pereira, diretor de Políticas Educacionais da UNE pelo campo Contraponto (PT), considera que o propósito do ato da CMS deveria ser outro. “A culpa da instabilidade do governo Lula não está em um ‘golpe’ da direita, mas na composição de alianças feitas pelo governo, que incluem o Partido Progressista (PP) e o Partido Liberal (PL)”.

O diretor confirma apoio ao ato, principalmente pela participação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “É hora de deixar os aliados de ocasião de lado. O governo tem que se voltar para a esquerda e para o povo”, provoca Pereira. Ele reafirma a necessidade de criticar o governo Lula. “A presidência da UNE deveria ser mais incisiva”, diz, irônico. Alessandra Terribili, diretora de Mulheres da UNE pela Democracia Socialista, vê a atuação da própria entidade como ambígua, já que adere às propostas do governo mas se propõe a disputá-lo pelo âmbito da esquerda. “O governo do PT criou expectativas para o movimento estudantil. Ingressamos na diretoria da UNE no momento em que Lula assumiu o poder. Hoje há essa decepção, sensação de que algo deu errado”, diz ela.

Entre os três é consenso de que o governo precisa de apoio popular mais do que parlamentar. “Quantas chances o governo desperdiçou ao não investir na democracia participativa, em plebiscitos e referendos? Quantas mais desperdiçará?”, lamenta Alessandra. Para Petta, sem o apoio das elites nem dos movimentos sociais, Lula não será reeleito. “Movimentos sociais reivindicam mudanças, mas o governo tem que criar possibilidades. Onde está a criação de espaço para as mídias alternativas?”

Reforma Universitária

Com exceção de Petta, os outros dois diretores crêem que o anteprojeto de Reforma Universitária merece tanta atenção quanto os questionamentos sobre a política de Lula. “A crise que o governo atravessa depende dos projetos apresentados. A Reforma Universitária deve ser lida criticamente. Não podemos negar ou apoiar simplesmente”, diz Alessandra. Já Petta têm opinião diferente sobre o tema: “Os conservadores criticam a Reforma porque ela não trata o ensino como serviço, diferente do que fez Paulo Renato quando era ministro da Educação [durante o governo FHC]”. 

Pereira, cujo campo político é contra a Reforma Universitária, crê que o projeto não altera concepção de universidade elitista. “De que adiantam eleições diretas para reitor se o projeto considera votos do Conselho Universitário como majoritários?”, pergunta ele. Confrontado com a opinião de Petta, Rodrigo responde com uma fala do professor Roberto Leher, da Associação de Docentes da UFRJ: “Agir com fisiologismo de esquerda, que apóia tudo que a direita critica, não beneficia a reflexão sobre o projeto”.

A discussão sobre a Reforma Universitária, de início, deveria unir a diretoria da UNE. Talvez no início da gestão tenha havido o sentimento de unidade, mas ele se perdeu com o passar do tempo. “As forças políticas se isolaram em suas posições”, lamenta Pereira. Alessandra compartilha da mesma opinião. “A diretoria quase ‘rachou’ por isso”, diz ela.

Petta vê como naturais estes conflitos. “O movimento estudantil não tem unidade ideológica. Só se legitima nas diferenças”. Mas ele defende a unidade na posição da diretoria da UNE quanto aos temas debatidos. “Se outros campos foram derrotados nas votações dos congressos da UNE, não posso fazer nada”, afirma.  

Apesar de não convergir quanto à crítica a todo o projeto de Reforma Universitária, um ponto dela concentra as críticas: o Prouni, que oferece renúncia fiscal a instituições educacionais privadas que oferecerem vagas de baixo custo para estudantes carentes. “Não acho que as filantrópicas vão acabar de uma hora pra outra. Mais de 85% dos estudantes no ensino privado, de instituições filantrópicas ou não, têm algum tipo de bolsa. O benefício do Prouni não deveria ser estendido a instituições caça-níqueis, como a Universidade Paulista (Unip)”, diz Petta. O presidente da UNE afirma que a campanha contra os “tubarões” do ensino e contra o aumento abusivo de mensalidades vai continuar. Os outros dois diretores afirmam que a renúncia fiscal oferecida a instituições particulares poderia significar investimentos para universidades públicas. “Todas as boas propostas da Reforma Universitária, mesmo as tímidas, serão barradas pelo lobby no Congresso Nacional”, sentencia Pereira, descrente nas benesses que o projeto de Reforma pode trazer.

Movimento estudantil

A maior novidade diz respeito à convocação de um Coneb (Congresso Nacional de Entidades de Base) em março de 2006, que passará por votação no Conune, segundo Petta e Alessandra, mas tem fortes chances de implementação. Para Pereira, a União da Juventude Socialista, que controla a UNE há dez anos, tem certeza de que a maioria dos Centros Acadêmicos (CAs) e Diretórios Acadêmicos (DAs) está sob seu controle, por isso não teme a convocação como temia há oito anos, quando ocorreu o último Coneb.

As avaliações quanto à atual gestão da UNE são diferentes para os três diretores. “Os diretores da UNE trabalham, de fato, com os CAs”, diz Pereira. Há mais de dez anos a UNE não realizava um Encontro de Mulheres Estudantes (EME) como houve em 2005. Mais de 1200 mulheres de 16 estados reuniram-se para discutir política, opressão, participar de oficinas e formular atividades em favor do feminismo. “O debate de opressões teve bom avanço na UNE”, pondera Alessandra. “Além disso, a Caravana da UNE de Cultura e Arte trouxe a discussão sobre cultura à baila”. Para ela, a Bienal da UNE foi um espaço “sem contribuição nenhuma, de construção vertical da diretoria, que não trouxe novidades às questões de políticas públicas de cultura”. Petta enxerga do lado contrário. “O problema de nossa gestão foi a comunicação entre os estudantes e a UNE. Devemos melhorar o website, os boletins informativos e os jornais”.

Os diretores têm opiniões divergentes também quanto às eleições diretas para a entidade. “Se houvesse eleições diretas para a UNE, a esquerda não se garantiria no poder”, diz Petta. Para ele, partidos como o PSDB e o PFL poderiam usar de poder econômico para fazer publicidade a estudantes despolitizados e assim “comprar” votos para a diretoria e a presidência da UNE. “Eleições diretas permitem a geração de debate e de aprofundamento das diferenças entre as correntes que disputam a UNE”, diz Pereira. “Com eleições por delegação de votos, como é hoje, há certos grupos que se perpetuam no poder”. Ele afirma ainda que as eleições diretas são princípio tático para atingir os estudantes. Mas hoje não se trata de princípios. “É uma forma da oposição à diretoria da UNE marcar seu território. Nós da Democracia Socialista defendemos um método de votação intermediário, que impeça fraudes na votação, constantes hoje em dia”, resume Alessandra.

 

Fonte: Ag. Carta Maior, Rafael Sampaio, São Paulo, 29/06/2005.


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