PORTO ALEGRE 2005
Fórum termina com 352 propostas para um outro mundo

 

Mas processo continua, com base nas articulações formadas e nas práticas de economia solidária, sustentabilidade, comunicação
e cultura contra-hegemônicas e solidariedade implantadas
em Porto Alegre.

 

Porto Alegre – “A quinta edição do Fórum Social Mundial começou como expressão da diversidade planetária, polifonia de vozes que se encontram em desejos universais da tolerância, da justiça, da paz, da igualdade. E se encerra dentro desse mesmo espírito”. Com essas palavras, lidas na manhã de segunda-feira (31) por um dos principais líderes do movimento de moradia no Brasil – Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê – terminou o FSM 2005. Fazer um balanço do que aconteceu e do que podem representar as sementes plantadas nos últimos seis dias na capital gaúcha, por mãos e mentes de todo o planeta, é tarefa inalcançável. Mas algo é certo: o resultado desde movimento que começou há cinco anos é obrigatoriamente positivo. Disso ninguém duvida.

“O Fórum atualiza um conjunto de lutas e bandeiras importantes para o desafio de questões que vão do controle do capital internacional, ao endividamento dos países e à guerra. É uma plataforma ampla que responde à necessidade urgente de fortalecermos essas lutas. É um espaço que captura, para o centro do protagonismo, povos de todo o mundo e agendas globais e locais. Saímos daqui com mais energia para seguir em frente”, acredita Jeferson Miola, da coordenação executiva do 5º FSM.

Em um ano em que se colocou o desafio de ser mais propositivo, o Fórum Social Mundial obteve uma resposta à altura da riqueza do debate de idéias travado em Porto Alegre. Ao todo, foram apresentadas 352 propostas das mais diferentes organizações do planeta, caminhos que podem ser seguidos ou não na construção de um outro mundo possível. De um palco para o movimento antiglobalização, o Fórum se tornou definitivamente um espaço de construção altermundista. Passou da resistência e dos protestos à consolidação de alternativas. Totalmente autogestionadas, as atividades deste ano deram vida a articulações importantes, como a que pretende punir legalmente o presidente norte-americano George W. Bush pela prática de genocídio, saque de riqueza de países ocupados e tortura a presos indefesos. Um abaixo-assinado global correrá pelos países e reforçará uma ação legal a ser entregue às Nações Unidas em setembro deste ano.

De iniciativas mundiais a específicas, o Fórum também permitiu que dezenas de organizações formassem uma rede de denúncia dos casos de arbitrariedade policial e apoio jurídico às comunidades atingidas pela violência no Rio de Janeiro. Em Porto Alegre, também nasceu a Rede de Fóruns Locais, criada para fortalecer iniciativas que multipliquem o processo do Fórum Social Mundial nos mais diferentes municípios.

“O FSM é um espaço de articulação. O Fórum em si não tem propostas, mas facilita que as organizações façam as suas. É como criar um campo de futebol. Fazemos isso, mas os times têm que se organizar para jogar entre eles”, explica Marti Oliveira, do grupo de metodologia no Conselho Internacional FSM, responsável pelo Mural de Propostas, que compilou o resultados das atividades desta edição do encontro. “Foi a primeira vez que fizemos isso. Nem todos tiveram tempo de escrever suas propostas, mas há algumas com mais de 20 organizações articuladas. É uma semente de uma mudança muito positiva que foi plantada”, acredita.

A partir desta semana, as iniciativas enviadas ao Mural de Propostas poderão ser consultadas na página oficial do Fórum Social Mundial e no endereço www.memoriaviva.org.br. Ali, as organizações poderão acrescentar idéias e se integrarem a articulações já feitas, apoiando as novas iniciativas. Segundo Oliveira, o objetivo é diminuir o número de propostas e, ao mesmo tempo, torná-las mais potentes.

“Demos passos importante, mas ainda precisamos aperfeiçoar a metodologia, estimular mais a convergência. Várias entidades que trabalham temas comuns ainda não conseguiram se articular. Seguiremos neste sentido em 2006”, afirmou Oded Grajew, membro do Conselho Internacional do FSM.

Democratização do espaço

Também avaliada como positiva foi a mudança do espaço ocupado pelo Fórum Social Mundial este ano. Ao contrário das edições anteriores realizadas na capital gaúcha, onde as atividades se concentravam no campus da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RS), este ano o FSM foi transferido para a orla do Guaíba, um espaço aberto, público, coletivo e democrático. O chamado Território Social Mundial, que abrigou as infinitas atividades dos onze espaços temáticos, se transformou num “laboratório para mudar a vida”, como descreveu a carta de encerramento do encontro.

No território, várias práticas transformadoras foram materializadas, da bioconstrução, que mostrou que uma casa pode nascer do ordenamento racional do que a natureza oferece, à economia solidária, justa nos preços e ética no consumo. O uso do software livre, a rede de voluntários da tradução e novas formas de comunicação compartilhada foram incorporadas ao dia-a-dia do Fórum, mostrando que são possíveis e viáveis de serem concretizadas por aqueles que querem um mundo diferente.

“Foi um acerto estratégico fazer o FSM no Território Social Mundial. Foram os valores do Fórum que se traduziram numa cidade cosmopolita, democrática, universal. Apesar das diferenças culturais e de linguagem, foi possível uma convivência pacífica e alegre, onde a cultura não foi vista como um objeto de mercantilização e alienação, mas de integração entre os povos e de mobilização contra-hegemônica”, afirma Miola.

Gerir uma cidade deste tamanho – o que incluía os cerca de 40 mil jovens que ficaram no Acampamento Internacional da Juventude, pela primeira vez inserido na estrutura do FSM – foi outro desafio da edição de 2005. O Grupo de Trabalho de Sustentabilidade pretendia um programa mais ousado, que incluía, por exemplo, energia eólica e lâmpadas de baixo consumo. Mas faltou dinheiro. Por outro lado, as tendas de bioconstrução onde aconteceram os debates revelaram-se muito mais agradáveis – e suportáveis – do que as de plástico, debaixo dos 40 graus que aqueceram os dias do Fórum. Houve menos desperdício no consumo e a coleta seletiva recolheu, diariamente, duas toneladas de lixo reciclável. “Isso representava, no entanto, apenas 30% do que poderia ser reaproveitado. Das 25 toneladas de lixo orgânico recolhidos por dia, de 3 a 4 toneladas poderia ser recicladas. Foi um avanço, mas nossa expectativa era maior. Os participantes do Fórum ainda precisam aprender isso”, aponta Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace e membro do GT de Sustentabilidade.

Felizmente, a temperatura elevada e os problemas de deslocamento não alteraram o ânimo dos participantes, que em massa participaram dos debates, caminharam pelo espaço, viveram o Fórum em sua integralidade. Somente durante o final de semana, mais de 500 mil pessoas circularam pelo Território Social Mundial, mostrando que a cidade de Porto Alegre, que mais uma vez recebeu cidadãos de todo o mundo, quis ser parte deste processo.

“Tivemos várias marchas pela cidade e a descentralização dos palcos e os vários eventos simultâneos permitiram ao FSM ser mais participativo. Parte da exclusão era porque ficávamos fechados na PUC. Agora fizemos num espaço aberto, sem cercas, sem a exigência de crachás. Então as pessoas se sentiram estimuladas a participar. Nunca tivemos a presença tão grande da cidade de Porto Alegre. Elas podem não ter participado o tempo todo dos debates, mas vieram pra cá sentir o clima. E isso é importante, porque a mensagem também é cultural”, lembrou Cândido Grzybowski, também do Conselho Internacional do FSM.

Segundo estimativas do comitê organizador, o ingresso de recursos na economia gaúcha ultrapassou os 60 milhões de dólares. A rede hoteleira ficou repleta, o que refletiu num incremento de 12% na rede da Serra Gaúcha, para onde foram os participantes que não encontraram pouso na capital.

Mudança de perfil

A maior das edições do Fórum Social Mundial também buscou democratizar o acesso da população mais excluída aos debates do Fórum. O Fundo de Solidariedade alimentado por 5% do orçamento total do encontro ajudou a trazer para Porto Alegre, por exemplo, 400 indígenas, de diferentes partes da América Latina. Cerca de 300 mil reais foram gastos em ônibus que saíram de todas as capitais em direção ao sul, com assento prioritário para os grupos sociais mais excluídos. “Mas ainda é pouco perto do desafio que temos. 5% do orçamento não são suficientes. Sem recursos canalizados não temos como mudar o perfil do Fórum”, afirma Grzybowski.

O Ibase, organização que dirige, criou um fundo próprio com a contribuição de 0,5% do salário de seus funcionários e trouxe 40 moradores de comunidades carentes do Rio de Janeiro para o FSM. Cidade de Deus, Morro da Tijuca e Santa Marta finalmente conheceram o Fórum. E o Fórum os conheceu de perto. O Ibase está agora tabulando os dados de uma pesquisa realizada durante o encontro com 2.500 entrevistados para traçar o perfil dos participantes do V FSM.

Uma coisa é certa, entre bonés, chapéus de palha, turbantes, chadôs e cocares; entre peles negras, brancas, amarelas, marrons; entre línguas latinas, árabes, eslavas, indígenas e anglo-saxãs; entre bandeiras vermelhas, brancas, verdes e da cor do arco-íris, o perfil do Fórum Social Mundial é e continuará sendo muito plural. Assim foi na caminhada que abriu o evento no dia 26, assim foi no seu encerramento nesta segunda, ao som de grupos palestinos, marroquinos e da Zâmbia. Em 2006 o Fórum se encontra em vários locais ao mesmo tempo. Marrocos, Venezuela, México, Canadá e Paquistão são alguns dos países possíveis. Novas candidaturas virão. Descentralizado, o FSM pretende ser ainda mais participativo e democrático. Seguirá autogestionário, por pessoas que não apenas acreditam num outro mundo possível, mas que há tempos já trabalham cotidianamente para a sua concretização.

Fonte: Agência Carta Maior, Bia Barbosa, 02/02/2005.


ASSEMBLÉIA FINAL
Movimentos costroem agenda comum para 2005
 

Documento final constata crise do neoliberalismo e o acusa
de criminalizar movimentos sociais.

 

Porto Alegre – Os vários movimentos sociais internacionais que estiveram no Fórum Social Mundial 2005 se reuniram no último dia do encontro para socializar os resultados e as agendas das diversas campanhas debatidas nesta última semana. Participaram, entre outros, os movimentos antiguerra, camponês, de mulheres, dos excluídos, contra a Alca e o livre-comércio, contra a dívida externa dos países do hemisfério Sul, contra a privatização da água e pelos direitos humanos.

Como em todos os encontros do FSM, ao contrário do próprio Fórum - que se considera apenas um espaço para os debates e não uma instância proponente de políticas -, a Rede de Movimentos Sociais apresentou uma agenda complexa de bandeiras e atividades, que nevem nortear as ações conjuntas neste ano. “Mas como somos muito plurais e diversos, o que apresentamos aqui é uma metodologia de trabalho, um acordo unânime da luta anti-neoliberalismo. Isso significa que será mantida a pluralidade, já que não necessitamos de comitês centrais para dar a linha”, explica Luciano Mulbauer, da central sindical Sin-Cobas, da Itália.

No documento lido e aprovado na assembléia, os movimentos afirmam que “o neoliberalismo é incapaz de oferecer um futuro digno e democrático à humanidade. No entanto, responde a sua crise de legitimidade com a força, a militarização, a repressão, a criminalização das lutas sociais, o autoritarismo político e com uma ideologia reacionária. (...) Conscientes de que o nosso caminho é ainda longo, chamamos a todos os movimentos do mundo a lutar pela paz, os direitos humanos, sociais e democráticos, o direito dos povos a decidir o seu próprio destino e o cancelamento imediato da dívida externa dos países do Sul, a partir da agenda que compartilhamos no marco da quinta edição do Fórum Social Mundial”

Agenda de lutas

Uma novidade entre os acordos apresentados na assembléia dos movimentos sociais neste FSM é a concordância de todas as organizações que trabalham com a questão da dívida do terceiro mundo, em aceitar a reivindicação dos países do Sul de serem considerados credores dos países desenvolvidos. Esta antiga reivindicação, segundo ativistas africanos e asiáticos, se baseia no fator saque histórico de seus recursos naturais e sua força de trabalho. “Tanto que no FSM 2003 a questão foi bastante polêmica, já que, para os europeus, era difícil aceitar a missão de pressionar os seus governos por reparos a suas ex (ou atuais) colônias. Aceitar esta nossa reivindicação é um grande avanço”, afirmou Nagir Adnassi, ligado a um movimento de direitos humanos na Nigéria.

Outras novidades foram a inclusão nos debates da comunicação como direito humano fundamental, da defesa e da luta pelos direitos dos excluídos (tema levantado pelos Dalits, conhecidos como os intocáveis, no FSM 2004), a defesa das águas e a questão da mudança climática.

Fonte: Agência Carta Maior, Verena Glass, 02/02/2005.



Foto: Simone Bruno - A. Carta Maior
 

O MAIOR JÁ REALIZADO – Marcha pelas ruas de Porto Alegre encerra a quinta edição do Fórum Social Mundial, o maior já realizado. Como bem manifestava o jovem norte-coreano Kim Il-Sung durante a caminhada, "isto aqui é, sobretudo, uma esperança". Em 2006, o Fórum será decentralizado entre três ou quatro países nos vários continentes.
 


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