FÓRUM MUNDIAL DA
EDUCAÇÃO
Encontro termina com críticas às políticas neoliberais e defesa da
integração latina
Encerrado neste domingo, encontro reuniu 30 mil pessoas e centenas
de entidades. Foi lançada a Campanha pelo Direito à
Educação na
América Latina, com o objetivo de articular a agenda de lutas
dos países, e a Carta de Nova Iguaçu, em repúdio à
mercantilização deste direito humano.
NOVA IGUAÇU – O último
Fórum Mundial da Educação (FME), encerrado neste domingo (26) em Nova
Iguaçu, na Baixada Fluminense, superou as expectativas dos organizadores.
Mais de 30 mil pessoas participaram do encontro, que contou com 320
atividades organizadas por entidades da sociedade civil e com a apresentação
de 450 trabalhos, pesquisas e teses de educadores. Durante quatro dias,
cerca de 700 artistas se apresentaram nos quatro palcos montados em
diferentes pontos da cidade. E, além da programação de educativa e cultural,
o FME também contou com a feira de economia solidária, por onde circularam
mais de 17 mil pessoas.
Entre os principais
debates do FME esteve a questão da integração do continente através da
educação. Dezenas de entidades lançaram no último sábado (25) uma Campanha
pelo Direito à Educação na América Latina, com a intenção de unificar as
pautas e agendas de lutas dos países. O FME já passou este ano por Caracas,
na Venezeula, e em maio, entre os dias 4 a 6, acontece em Buenos Aires, na
Argentina.
“Cada país tem sua
própria história. Mas todos temos uma história maior. É a história das lutas
do nosso povo oprimido”, acredita o uruguaio Hugo Rodriguez, da Associação
dos Educadores da América Latina e do Caribe (AELAC). Para ele, a Educação
pode ser um instrumento fundamental para a integração dos povos do
continente. “A Educação é a única estratégia que pode unir todos os povos.
Isso deveria ser uma prioridade estratégica. Alguns países começaram a
enxergar essa questão com mais seriedade”, afirma, apesar de ponderar que a
concretização dessa integração ainda depende de muita vontade política.
Para pressionar os
governos neste sentido, o FME tem se consolidado como um espaço de
construção de um projeto político que privilegie as políticas públicas de
educação. “Isso que estamos fazendo deixou de ser um evento há tempos. Já
estamos no processo. Temos que ter clareza que todo projeto educativo passa
por um projeto político e cultural. E qual é o nosso projeto? É o do Banco
Mundial?”, questiona o colombiano Ramon Moncada, integrante do Fórum
Latino-Americano de Políticas Educativas (Flape). Ele crê, no entanto, que
esse projeto só pode ser construído com a participação da sociedade; algo
que vai muito além dos muros e portões das escolas: “É preciso explorar a
cidade como um todo. Ética e cidadania não se aprende só na escola”, afirma.
No centro deste
processo transformativo deve estar a esperança transformadora na juventude.
Ou, pelo menos, deveria estar. Ainda hoje, a imensa maioria das políticas
para a juventude são construídas de forma totalmente apartada da opinião e
participação daqueles que seriam seus principais beneficiários. “Os adultos
precisam abrir espaço e compreender as necessidades e aflições dos jovens”,
avalia Moncada. Durante o FME, ele destacou um processo de incentivo à
participação da juventude em curso na Colômbia, baseado nos conselhos
municipais. “Culturalmente, é preciso integrar as gerações. Do ponto de
vista da tradição, é preciso inovação”, acredita.
VIAGEM PELO PLANETA
Em abril de 2008, o
Fórum Mundial da Educação deve voltar à Baixada Fluminense, para avaliar de
perto se os governos locais cumpriram os compromissos assumidos na
construção das Cidades Educadoras, tema central do encontro. Durante o
encerramento, foi lida a “Carta de Nova Iguaçu”, documento que vai viajar os
outros Fóruns pelo mundo para construir, no ano que vem, uma plataforma
mundial pela Educação.
O documento repudia as
políticas neoliberais, que privatizam e mercantilizam o direito à educação,
e a “falácia do equilíbrio fiscal”, que prioriza o pagamento da dívida
externa gerando a permanente drenagem de recursos públicos. A Carta recusa
qualquer forma de intromissão dos organismos financeiros internacionais na
definição das políticas educacionais desenhadas pelos governos e bate duro
nos acordos de livre-comércio, que pretendem “destruir a dignidade, a
felicidade e a liberdade de nossos povos”.
“Repudiamos toda forma
de imperialismo e colonialismo, especialmente, aquele exercido pelas nações
mais poderosas do planeta contra o terceiro mundo, contra povos cuja
identidade e dignidade resultam massacradas pela arbitrariedade de um poder
guiado pelos interesses econômicos e pela indecência do atropelo
indiscriminado de nossos direitos, de nossas culturas, de nossas línguas e
de nossa dignidade. Repudiamos o uso da educação como uma ferramenta de
domesticação e subalternidade, como instrumento de dominação e segregação”,
diz um trecho do texto.
Confira abaixo a
íntegra da Carta:
“Fórum
Mundial de Educação Temático
Nova Iguaçu, Rio de Janeiro (23, 24, 25 e 26 de março de 2006)
No dia 31 de
março de 2005, de forma brutal, 29 jovens foram assassinados nas
cidades de Nova Iguaçu e Queimados. Todos eles eram pobres, todos
inocentes, todos eles sonhavam com um futuro de oportunidades, de
dignidade, de direitos. Seus sonhos, suas vidas foram destruídas em um
dos maiores massacres da baixada fluminense. Nada explica a morte e o
assassinato. Nada pode explicar a barbárie de grupos de extermínio que
atuam de forma impune em nossas cidades marcadas pela violência, a
exclusão, a segregação e a indiferença assassina dos grupos de poder.
Quase um ano
depois, 30 mil educadoras e educadores, militantes sociais, meninos e
meninas, delegados e delegadas de mais de 25 países nos reunimos aqui,
em Nova Iguaçu, para dizer não à violência, sim à vida, sim à verdade,
sim à dignidade, sim à justiça, sim à educação. Realizamos um novo
Fórum Mundial onde o tema foi Educação Cidadã para uma Cidade
Educadora, um evento histórico, com diversas conferências e debates,
com mais de 300 atividades autogestionadas e com um Fórum
Infanto-juvenil que reuniu mais de 5 mil meninos e meninas, discutindo
a construção de uma nova educação para uma nova sociedade.
O Fórum Mundial
de Educação de Nova Iguaçu foi um espaço aberto e plural, onde se
reafirmaram os princípios e lemas que nos convocaram nas edições
anteriores, realizadas em Porto Alegre, São Paulo, Córdoba (Espanha) e
Caracas. Contribuímos aqui para a construção de um processo de
mobilização e de luta pela defesa irrestrita do direito à educação
como um direito humano e social; como um requisito fundamental para a
construção de uma sociedade justa, igualitária e emancipatória de todo
poder autoritário, ditatorial, totalitário; como requisito para a
construção e para o fortalecimento de uma democracia radical, para a
construção da justiça social e para a realização efetiva dos direitos
humanos.
O Fórum Mundial
de Educação de Nova Iguaçu foi um evento que marcará a história
democrática da baixada fluminense, constituindo um marco no
fortalecimento e ampliação da nossa Plataforma Mundial de Lutas pelo
Direito à Educação, criada no âmbito do Fórum Social Mundial e
multiplicada nas ações, propostas e estratégias de centenas de
movimentos sociais, organizações populares, sindicatos democráticos,
no trabalho cotidiano de milhares de escolas, onde se constrói a
utopia de uma educação emancipatória e libertária.
Nós que nos
reunimos em Nova Iguaçu reafirmamos nosso compromisso com a defesa e a
transformação democrática da escola pública, gratuita, laica e de
qualidade para todos e todas.
Repudiamos as
políticas neoliberais, conservadoras e oligárquicas que privatizam e
mercantilizam o direito à educação e os direitos humanos.
Repudiamos a
inclusão da educação como um bem comercializável em qualquer tratado
que, sob o eufemismo do ”livre comércio” pretenda destruir a
dignidade, a felicidade e a liberdade de nossos povos.
Repudiamos
qualquer forma de precarização do trabalho docente e todas as
políticas que degradam o exercício da docência, violando seus direitos
e, junto com eles, o direito de todos os meninos e meninas a receber
uma educação de qualidade.
Repudiamos
qualquer forma de intromissão dos organismos financeiros
internacionais na definição dos rumos e do sentido das políticas
educacionais desenhadas por nossos governos.
Repudiamos
também as políticas econômicas que, sob a falácia do equilíbrio
fiscal, priorizam o pagamento de uma dívida externa ilegítima e
impagável, gerando a permanente drenagem de recursos públicos a grupos
econômicos nacionais ou transnacionais.
Repudiamos toda
forma de imperialismo e colonialismo, especialmente, aquele exercido
pelas nações mais poderosas do planeta contra o terceiro mundo, contra
povos cuja identidade e dignidade resultam massacradas pela
arbitrariedade de um poder guiado pelos interesses econômicos e pela
indecência do atropelo indiscriminado de nossos direitos, de nossas
culturas, de nossas línguas e de nossa dignidade.
Repudiamos o uso
da educação como uma ferramenta de domesticação e subalternidade, como
instrumento de dominação e segregação.
Repudiamos toda
forma de racismo e sexismo, dentro e fora de nossas escolas e de
nossas universidades.
Repudiamos a
criminalização dos pobres, que, submetidos às formas mais brutais de
exclusão, são estigmatizados por aqueles que associam sua presença ao
perigo e ao crime, por aqueles que pretendem transformar os jovens e
as jovens dos setores populares nos culpados pela discriminação que
cotidianamente sofrem.
Nós que nos
reunimos em Nova Iguaçu defendemos a construção de um projeto
educacional emancipatório, onde os Estados assumam, sem concessões,
sua responsabilidade inalienável no financiamento da educação pública,
destinando, pelo menos, 6% de seu PIB para sustentá-la.
Defendemos a
educação como uma efetiva e imprescindível forma de inclusão social e
trabalhamos todos os dias para eliminar o analfabetismo e as causas
que o produzem.
Defendemos a
educação como uma ferramenta para a recuperação da memória de nossas
lutas e daqueles que nos precederam, deixando seu inesquecível exemplo
de compromisso e dignidade na construção de um futuro melhor.
Defendemos a
educação como prática da liberdade, como utopia libertária, como
instrumento para a construção de um horizonte de dignidade e
solidariedade, onde se criam e recriam os valores democráticos, a
sensibilidade e a indignação frente às injustiças.
Defendemos a
educação democrática como uma plataforma de onde podemos gritar “Nunca
mais”: Nunca mais ditaduras brutais nunca mais repressões, nunca mais
genocídios, nunca mais negação dos nossos direitos, de nossa história,
de nossa dignidade.
Defendemos a
educação como forma de justiça e de luta por uma verdade que nos
negam, que nos roubam, que nos pretendem fazer esquecer.
Defendemos a
educação como possibilidade efetiva para nos transformarmos em pessoas
melhores. Para aprender admirar o mundo em que vivemos e para lutar
todos os dias, fazendo com que todos, todas possam ter direito a
desfrutá-lo.
Defendemos a
educação pública e, por isso, propomos dar continuidade aos
compromissos assumidos nos fóruns anteriores, ampliando seus alcances
e multiplicando suas conquistas.
Há um ano, Nova
Iguaçu era cenário de um massacre. Hoje, nos reunimos aqui para chorar
a perda irreparável dessas vidas inocentes. Porém, também, para
mostrar que aqui, na baixada fluminense, o povo, como sempre, diz sim
à vida, ao trabalho, ao compromisso com a justiça e com a liberdade,
com a justiça e com a verdade. O Fórum Mundial de Educação Nova Iguaçu
é e será um canto à dignidade, um grito de esperança.
Há menos de um
ano, Douglas Brasil, um menino de 12 anos perdia vida sem saber por
que. Era uma das 29 vítimas do massacre. Em seu sorriso roubado se
espelha o desafio desse Fórum. O desafio de construir um mundo onde a
justiça social e os direitos humanos sejam patrimônio de todos e
todas. Onde os melhores sonhos sejam mapa que desenha um território
que devemos construir e percorrer juntos. A ele e a todos os meninos e
meninas privados do presente e do futuro, dedicamos esse Fórum.
Nova Iguaçu, 26
de março de 2006.” |
Fonte: Ag. Carta Maior, Carlos G. Yoda,
29/03/2006. |