JUROS X SEGURIDADE SOCIAL
Desvinculação de Receitas da União já tirou mais de R$ 100 bi da área social para pagar juros ao “mercado”, e governo quer renová-la para pagar R$ 260 bi até 2010. Considerada ‘fundamental’ pelo ministro do Planejamento, é atacada por heterodoxos. O governo federal planeja pagar R$ 260 bilhões de juros da dívida pública de 2008 a 2010 só com dinheiro de impostos cobrados da população. O valor consta do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) 2008, uma espécie de rascunho do orçamento, debatido pelo Congresso, nesta terça-feira (8), em audiência pública com o ministro Paulo Bernardo (Planejamento). Para que o pagamento se concretize, o governo terá de arrancar dos parlamentares outra renovação de um instrumento que lhe permite gastar como quiser 20% da arrecadação de impostos. A chamada DRU (Desvinculação de Recursos da União) vence no fim do ano e, do ponto de vista da atual política econômica, é “fundamental” que seja prorrogada, segundo Bernardo. Mas, se é “fundamental” para a política econômica, a DRU representa um duro golpe nas principais políticas sociais do Estado brasileiro, como se pôde constatar coincidentemente no mesmo Congresso, poucas horas antes da audiência com o ministro. A Câmara dos Deputados realiza por dois dias um seminário que discute a Seguridade Social, criada pela Constituição de 1988 englobando saúde, previdência e assistência social. O sistema é financiado por tributos pré-definidos e, desde o nascimento da DRU, perde um quinto dos recursos para o chamado “mercado”, beneficiado pelo pagamento de juros. De 2000 a 2005, o dispositivo permitiu ao governo federal sonegar R$ 102 bilhões da seguridade, segundo cálculos da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social (Anfip), para entregar a quantia ao “mercado”. Só em 2005, a sonegação somou R$ 32 bilhões. “A política social tem financiado o pagamento de juros nos últimos anos”, afirmou a cientista política e socióloga Sonia Fleury, presidente do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). “Com a DRU, a seguridade social só existe no papel”, disse o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Francisco Batista Júnior. Seguridade: ‘contramão’ da história O debate paralelo tendo, de um lado, DRU e pagamento de juros ao “mercado”, e, de outro, políticas sociais, ilustra o que a economista Rosa Maria Marques, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), chamou no seminário de “ir na contramão da história”. Para ela, a seguridade social representa um tipo de Estado e de políticas sociais que tem dificuldade para sobreviver no mundo atual, com a economia dominada pela lógica financeira. Pressionado por esta mentalidade a trabalhar em busca do lucro máximo, o setor produtivo, que gera emprego e renda, rebela-se contra tributos pagos para bancar a área social. “Os direitos sociais são custos para os empresários. Eles não entendem que é o conjunto da seguridade que segura a demanda nesse país”, disse Rosa Maria. Opinião semelhante tem o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da Frente Parlamentar da Saúde, uma das organizadoras do seminário junto com a Comissão de Seguridade Social da Câmara. “A seguridade social é considerada custo pelas empresas e pelos governos de todos os níveis”, disse o parlamentar. “Todas as equipes econômicas acham que investir em seguridade social é prejuízo, é despesa”, completou. Se dependesse do governo federal, os governadores estaduais também teriam o direito de gastar 20% da arrecadação do jeito que quisessem, independentemente de vinculações previstas na Constituição. E isso poderia abalar mais um pouco a seguridade social, já que a área de saúde tem forte atuação dos estados. Na audiência pública sobre LDO, Paulo Bernardo disse que o governo propôs aos governadores uma DRU estadual, mas alguns rejeitaram a idéia, e ela foi abandonada. Na audiência, o ministro defendeu a atual política econômica, que tem no pagamento de juros ajudado pela DRU um de seus pilares. Segundo ele, este pagamento permitiu reduzir a dívida pública, e a queda da dívida deixou os credores do “mercado” mais dispostos a aceitar juros menores. Com juro e dívida mais baixos, disse Bernardo, foi possível o governo arrumar recursos para investir em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Fonte: Ag. Carta Maior, André Barrocal, Brasília, 8/5/2007. |