Pesquisadores criticam na 60ª Reunião Anual da SBPC regulação de mídias digitais por favorecer empresas

          

 

Falta de participação da comunidade científica na discussão sobre democratização
de mídias é comparada a abdução da capacidade de pensar


No simpósio Mídias digitais de massa: regulação, tecnologia e democracia, Sergio Bambi, da Ufrgs, alertou com relação à correlação de forças do setor, que para ele favorece hoje "a afirmação de garantia de mercado por monopólio ou quase oligopólio. A sociedade está muito passiva. A SBPC não tem se manifestado" – afirmou , no evento realizado quinta-feira na 60ª Reunião Anual da SBPC.

"A sociedade tem que se mobilizar para fazer uma regulação que atenda ao seu interesse, a democratização da informação", assinalou Bambi, do Instituto de Informática da Ufrgs. Segundo ele, parece que os extraterrestres abduziram a capacidade de pensar da sociedade brasileira deste caso. "A SBPC pautou este simpósio porque a comunicação social é uma fronteira essencial para a democracia", informou.

Bambi avalia que a regulação vigente privilegia as possibilidades de expansão de negócios num cenário de excessiva concentração. "Na regulação da TV a cabo, fomos muito atrasados e pouco participativos", assinalou. "Estamos discutindo um quarto poder. Agora estamos vendo o último enlace que está sendo digitalizado, a transmissão da TV aberta que atinge toda sociedade. É preciso a participação da comunidade científica para discussão desse tema que é central para a democracia".

Como exemplo do efeito da regulação que favorece mais as empresas que o usuário, Marcelo Zuffo, da USP, disse que se alguém comprar um hotspot (ponto de acesso) Wi Max que transmite o sinal de internet com alcance de 15 Km e custa US$ 250 em Miami não vai poder usá-lo no Brasil. Como ele mora a 8 Km da USP, onde coordena o Laboratório de Meios Interativos do Instituto de Politécnica , conta que poderia usar a sua própria banda para acesso à internet nos dois pontos. "Uma tecnologia desta poderia até ser econômica", avalia.

Todavia, a concessão dada pela Anatel não prevê para as outras empresas o chamado território de investimento, que permitiria operar com Wi Max, explica Zuffo. "A Intel lançou o centrino Wi Max no Brasil, mas sem Wi Max, porque tem medo de tomar uma bordoada da Anatel. Mas se alguém comprar um Centrino 2 e trouxer de Miami, como vai ser?" - questiona. "Quem compra vai estar ilegal com a Anatel".

Outra tecnologia de US$ 100 que Zuffo disse ter visto no mercado internacional permite plugar vídeo no laptop para ser visto por outros aparelhos, uma pequena estação de TV completa, que no Brasil se tornaria ilegal. O pesquisador disse que por quatro anos participou do processo da TV digital no Brasil, acreditando no princípio que rege a SBPC e a Universidade, da capacidade da ciência transformar a sociedade. "A dimensão social e política predominou", concluiu. "Com a dinâmica da TV digital, a comunidade científica espertou de um sono profundo", observa.

O superintendente de Serviços de Comunicação de Massa da Anatel, Ara Apkar Minassian, ressalvou que a política no setor é feita pelo Congresso e pelo Executivo; cabe à agência implementar. "Gravitei no Congresso e não vi ninguém da academia discutindo isso", pontuou. Um convite foi feito por ele aos pesquisadores: "vocês podem pleitear, mandar nomes, ter uma pessoa no Conselho Consultivo da Anatel e apresentar idéias".

Na sua apresentação, Ara Minassian, mostrou como os pesquisadores podem participar das Comissões Brasileiras de Comunicação (CBC's), instância da Anatel que realiza estudos e análise, entre outros itens. Para ele, "essa foi uma indireta à academia".

Podem participar das CBCs, entre outros segmentos as organizações científicas e industriais, empresas de consultoria e de prestação de serviços especializados, instituições de ensino, pesquisa e desenvolvimento e profissionais que atuam sozinhos ou no âmbito de organizações em áreas ligadas às telecomunicações, consultores, professores ou pesquisadores.

Ara Minassian disse que a Anatel vai tirar qualquer limite para operadoras de TV a cabo, ao permitir que até 30 se instalem nas cidades grandes. "Vamos deixar que eles briguem este si, mas que não seja a briga depredatória e traga benefícios para o consumidor e a sociedade". No segundo semestre, segundo Ara, vai começar a funcionar o Comitê de usuários de todos os serviços no âmbito da Anatel.

A inclusão digital não acontece por decretos, assinala Sergio Bambi. "Países sem indústria eletrônica e indústria de software ficam de fora da apropriação dos ganhos da evolução da TV analógica para a digital". A indústria eletro-eletrônica no Brasil importa US$ 24 bilhões por ano importa US$ 3,8 bilhões por ano em componentes semicondutores.

De acordo com tese defendida em junho na USP, citada por Zuffo, o Brasil tinha um dos piores sinais de transmissão de TV analógica do mundo. Em São Paulo, segundo ele, 80% das TV recebiam sinais abaixo dos padrões minimamente aceitáveis.

"A digitalização resolveu o problema, com elevação da qualidade do sinal ao máximo", afirma Zuffo. Todavia, o pesquisador da USP avalia que pelo modo como ocorre a digitalização, vai sobrar espectro. "Sobra sinal de alta definição. A legislação é omissa".

 

Fonte: SBPC, JC e-mail, ed. 3558, Flamínio Araripe, 21/7/08.

 


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