CRÔNICA
Para
o mundo inteiro, que é obrigado a olhar para os Estados Unidos, o resultado
da
foram os equivalentes da aristocracia, os figurões com seus carteiraços e os seus "sabe com quem está falando?" Um país aberto, que recebeu imigrantes, dirigindo ao Velho Mundo a mensagem sintetizada nos versos de Emma Lazarus: "Dá-me teus exaustos, teus pobres/ tuas encurraladas massas ansiosas por respirar liberdade". Um país que sempre acreditou no trabalho, inclusive e principalmente o trabalho manual, que, na América Latina, era desprezado como coisa de escravos. Um país que valoriza o conhecimento e a criatividade, um país vanguardista na ciência e na tecnologia. Essa é uma face dos Estados Unidos. Existe outra: o país racista, o país da Ku Klux Klan, o país que invadiu seus vizinhos, o país que expulsa mexicanos (e brasileiros), o país que, em certo momento, virou polícia do mundo, intervindo nos lugares mais distantes, não raro (vide Iraque) com resultados catastróficos. O país que impõe sanções, que adota medidas protecionistas (contra o etanol, inclusive). O país de fanáticos religiosos, o país do obscurantismo político. Bush é um produto desse segundo país; mas foi eleito democraticamente e breve, diferente de caudilhos que se eternizam no poder, deixará o cargo. Para o mundo inteiro, que é obrigado a olhar para os Estados Unidos, o resultado dessa múltipla imagem é perplexidade e ambivalência. Nada simboliza melhor essa ambivalência que a imagem do cara vestindo uma camiseta que homenageia (com palavras em inglês) um conjunto musical americano e que está, ao mesmo tempo, queimando uma bandeira americana. Uma contradição persistente, apesar de todas as tentativas de expurgar as palavras em inglês do vocabulário. Vamos continuar chamando o "mouse" de "mouse", apesar daqueles que querem rebatizar esse equipamento de "rato". Da mesma maneira, apesar das acusações divulgadas na mídia de que o Itamaraty tem uma política antiamericana, Bush virá aqui e virá para negociar. Ou seja, temos de aprender a conviver com as contradições de nosso mundo, abrindo caminhos para a compreensão, a justiça e a tolerância. O que só pode ser feito com diálogo, não com bombas ou queimando bandeiras.
Fonte: Ag. Carta Maior, Moacyr Scliar, 9/3/2007. |