Implementação da contra-reforma da educação superior: um estudo preliminar do GTPE do ANDES-SN (maio de 2005)[1]

 

 

A discussão sobre o andamento das políticas educacionais no governo de Lula da Silva, realizada no GTPE em 21 e 22 de maio, permite uma conclusão que não pode ser comemorada: a sua política obedece ao mesmo movimento tendencial de redução de verbas públicas para as instituições verificado no período Cardoso, resultando no encolhimento do fornecimento público da educação superior, tal como se verifica desde 1970. A sua opção pela manutenção das políticas macroeconômicas do FMI-BM produz como desdobramento o encolhimento do que é público em favor do que é privado. A exemplo do que ocorreu nos anos 90, o seu governo vem promovendo também a agenda “modernizadora” da educação superior por meio da avaliação, da institucionalização de cursos aligeirados, como os cursos seqüenciais, redefinindo os mecanismos de fomento à pesquisa, entre outras medidas. É forçoso reconhecer que as referências do Banco Mundial continuam orientando as ações dos formuladores do MEC.

Esse processo chega ao cotidiano das IES, redefinindo a pesquisa e a docência à luz de noções como produtividade e eficiência. Em toda parte, os professores manifestam a sua insatisfação com a brutal intensificação do trabalho docente que, em última instância, impede uma docência plena de sentido e de significado. Os recursos medíocres da pesquisa constrangem o professor a, cada vez mais, vestir o manto do empreendedorismo. Os baixos salários compelem os docentes a buscar fontes alternativas de recursos. Nessas condições, o trabalho político-sindical torna-se muito mais difícil e mesmo muito mais árido. Por isso, nos dois dias de reunião, o GTPE procurou discutir as implicações das políticas neoliberais no cotidiano das instituições. É uma avaliação ainda preliminar que terá de ser aprofundada e fundamentada por estudos sistemáticos sobre a avaliação e a comodificação da educação.

Um primeiro aspecto a destacar, importante para o Sindicato Nacional, é que as políticas de Lula da Silva são congruentes com as políticas que vêm sendo implementadas nos estados, na educação básica vinculada as IFES e na educação tecnológicapolíticas estas que vêm produzindo resultados desastrosos. Após discutir o alcance da referida agenda “modernizadora” (nos termos do Banco Mundial), o estudo esboça a situação do financiamento das federais, a avaliação e as novas diretrizes curriculares. Na última seção, faz considerações sobre a correlação de forças nas lutas pela educação superior pública e gratuita

 

Uma contra-reforma do tamanho do Brasil

 

A contra-reforma da educação superior em andamento não pode ser compreendida como um conjunto de medidas e de novos marcos regulatórios específicos para o sistema federal de educação superior, abrangendo tão somente as IFES e as IPES. O novo desenho da educação superior está sendo traçado no conjunto do Estado nacional. Com efeito, o exame das políticas para a educação superior nos diversos estados se, por um lado, indica a existência de ritmos desiguais conforme as particularidades regionais, de outro, mostra que as medidas implementadas (ou em processo) obedecem a uma lógica comum e são congruentes com as do governo federal. A rigor, as políticas estaduais reforçam as federais e vice-versa: os novos marcos regulatórios federais institucionalizam e aprofundam as contra-reformas no sistema estadual.

Programas como ProUni - Programa Universidade para Todos e leis como a de Inovação Tecnológica permitem o repasse de parte significativa dos parcos recursos públicos, no primeiro caso para instituições particulares e, no segundo, para empresas ou para laboratórios universitários que produzirão serviços para as empresas, um circuito fechado na esfera privada. Nesse sentido, quando o Anteprojeto (versão de dezembro de 04) restringe a gratuidade apenas para os cursos regulares de graduação e de pós-graduação stricto-sensu, admitindo a cobrança de taxas e matrículas nas demais modalidades (especialização, aperfeiçoamento e cursos seqüenciais) apenas mantêm e legaliza – em contradição com a CF – os circuitos privados e mercantis que corroem o que é público na educação superior estadual, igualmente submetida a toda sorte de mecanismos privatizantes e de burla da gratuidade.

Fortalecidos pelas iniciativas do governo federal, também os governos estaduais criam mecanismos para viabilizar o desvio do dinheiro público para as instituições privadas de ensino superior. Tais programas estão em curso em vários estados, sob nomes diversos, alguns deles exigindo, em troca, a dedicação dos estudantes a atividadessocialmente relevantes”, como atender os alunos do ensino básico, suas famílias e a comunidade, nas escolas estaduais, em geral nos fins de semana. A justificativa usual para os subsídios ao setor privado é de que o “serviçopor ele prestado é mais econômico e adaptado à realidade local.

Na esteira da contra-reforma, é provável, inclusive, que muitas universidades estaduais sejam convertidas em universidades especializadas ou, mesmo, rebaixadas à categoria de centros universitários. Esse é um tema que o Sindicato Nacional terá de acompanhar muito atentamente. As exigências para a definição dos distintos tipos de IES (universidades, centros universitários, faculdades) previstas no Anteprojeto de dezembro são débeis. O problema é que as referidas condições são estabelecidas à completa revelia das políticas de manutenção e desenvolvimento das IES Federais e Estaduais.O Estado cria regras para as instituições particulares de ensino que os empresários facilmente podem cumprir, mas não assegura as mesmas condições às instituições públicas. Com efeito, as prescrições sobre o padrão de funcionamento e as metas de expansão das IES públicas federais contidas no Anteprojeto não vêm acompanhadas de nenhum mecanismo capaz de assegurar financiamento e infra-estrutura. Tampouco essas medidas estão previstas nos planos dos governos estaduais.

Por meio de diversos recursos, a contra-reforma se encontra em andamento em boa parte das IEES, resultando em precarização crescente das condições de trabalho e na queda da qualidade do ensino. É usual o estabelecimento de formas de expansão inconseqüentes empreendidas sem o correspondente aporte de verbas. Não se pode ignorar que o aumento de vagas no ensino superior público nos últimos anos ocorreu predominantemente às custas da expansão de vagas nas IEES, sem o correspondente aporte de recursos públicos permanentes, atendendo, prioritariamente, a projetos eleitorais dos governantes que, usualmente, ampliam a formação de professores da educação básica de modo aligeirado e abrem campi sem nenhuma infra-estrutura, desqualificando a educação superior pública.

O projeto do Governo Federal legaliza e aprofunda esse processo, homogenizando, por baixo, as IFES e IEES, eliminando as potencialidades e pontos positivos que as singularizam e disseminando um conjunto único - e concentrado - de pontos negativos e limitações como cursos a distância desprovidos de qualidade, a abertura de novos cursos sem realizar concursos e constituir novas instalações e a intensificação desmedida do ritmo do trabalho docente.

Ainda no âmbito federal, de forma antidemocrática e autoritária, o governo tenta regulamentar o ensino técnico e tecnológico e trata, de forma perversa, o ensino básico vinculado às IFES jogando-o ao limbo. No Anteprojeto de Reforma do Ensino Superior não se encontra uma linha que aborde a questão da relação das unidades de educação básica e tecnológica com a educação superior. Em outras esferas, contudo, o governo é pródigo em medidas que atingem diretamente essas unidades acadêmicas, como novas diretrizes para a formação de professores, todo o imenso aparato de reformulação da educação profissional brasileira (em especial os Decretos 5224 e 5225) e as medidas para quebrar, por completo, a unidade da carreira dos docentes da educação básica e superior.

Embora criticado por muitas entidades importantes como o MST, Andifes, Anped e pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, o Programa Universidade para Todos - ProUni não apenas foi aprovado como foi modificado ampliando, ainda mais, as concessões aos homens de negócios do setor privado. Parte do êxito da aliança entre o governo e os empresários da educação deve-se a autoritária ofensiva publicitária. Maculando uma bandeira histórica dos movimentos docente e estudantil – a ampliação e democratização do acesso a IES públicas superior – o Governo Federal cria vagas “públicas não-estatais” em IES privadas, admitindo, inclusive, a oferta de cursos seqüenciais. No avesso da imagem publicitária, transfere aos empresários da educação um montante estimado em R$ 3 bilhões de reais anuais em isenção de impostos e contribuições, em troca de bolsas integrais para 100 mil jovens, sem nenhuma exigência de qualidade da instituição ou mesmo de conclusão de curso pelo aluno. Desenhado para socorrer financeiramente as empresas educacionaisem um misto de PPP com Proer da Educação Superiorbasta que a empresa se inscreva no programa para ganhar as sonhadas isenções tributárias e oferte um determinado número de vagas para os cursos que quiser (e não os da livre escolha do estudante).

A operação de marketing que alicerça este discurso é desvelada ao examinarmos alguns dados oficiais. Segundo estudo da Andifes entregue à Presidência da República seria possível generalizar cursos noturnos nas IFES, criando 400 mil novas matrículas, com R$ 1 bilhão/ ano;  se todo o dinheiro público aplicado no ProUni  fosse destinado às IFES (uma questão de vontade política), seriam criadas dez vezes mais vagas, garantindo o acesso de jovens a todos os cursos superiores oferecidos atualmente, mantendo-se o padrão de qualidade das IFES. Um exemplo eloqüente: a PUC de Campinas tem o certificado de filantropia, por seu hospital universitário - que, por sinal, não é totalmente integrado ao SUS, tendo leitos vinculados a convênios particulares - recebe uma isenção mensal de 2,2 milhões de reais do INSS; na mesma cidade, a Unicamp, uma universidade pública, não-filantrópica, embora seu hospital universitário possua maior número de leitos, atenda a um número muito maior de pessoas, com abrangência geográfica que extrapola os limites do estado, e seja totalmente vinculado ao SUS. Segundo estudos da administração universitária, com um aporte mensal de 2,2 milhões de reais, seria possível criar 500 novas vagas na Unicamp, distribuídas pelos vários cursos atualmente oferecidos pela universidade. Um outro dado mostra a perversidade do programa e o real descompromisso do governo federal com a juventude excluída: em várias IES privadas e comunitárias, as bolsas de estudo foram reduzidas após a adesão ao ProUni, sem nenhuma conseqüência para a instituição; a PUC-SP, por exemplo, cortou pela metade o número de bolsas, reduzindo-as de 20% para o número exigido pelo programa: 10%. Como 10% de bolsas é a exigência para 2005, estando prevista sua redução para 4,25% das vagas, pode-se prever o que acontecerá.

Evidentemente, a tarefa do movimento docente é intensificar a denúncia do caráter regressivo do ProUni e sustentar que as verbas públicas devem ser aplicadas nas instituições públicas, pois somente estas podem garantir a educação como um direito fundamental.

 

Avaliação e a diluição da fronteira entre o público e o privado

 

Um dos eixos estruturantes da reforma da educação superior é o estabelecimento da parceria público-privada, subvertendo a concepção de público contida na histórica luta dos educadores em defesa da democratização da educação via instituições públicas estatais. Esse aspecto, associado ao eixo central de aligeiramento dos estudos e da compreensão do conhecimento como uma mercadoria tem resultados concretos na formação dos professores e na avaliação do trabalho acadêmico.

 

Formação de professores
 

Com a justificativa de que o mercado educacional carece de professores com formação em nível superior, a proposta de aligeiramento contida nas diretrizes do Banco Mundial se efetiva com o discurso da formação em serviço, da apologia às novas tecnologias, resultando em umboom” de ensino a distância, viabilizado com recursos públicos e oferecimento pelo setor privado. As instituições privadas têm realizado um forte assédio às administrações municipais, propondo convênios para formação dos professores. Apenas uma instituição na Bahia obteve autorização para criar 60 mil vagas para ensino a distância! Diferentemente das IES públicas, as quais, na mesma perspectiva, oferecem cursos presenciais, as privadas buscam uma forma ainda mais aligeirada e massificante para formar os professores da educação básica. Essa é uma das formas de favorecimento do setor privado, expandido com forte aporte de recursos públicos.

O ensino básico no nosso sistema educacional, mesmo presencial, não pode alcançar um elevado padrão de qualidade  em razão do sucateamento e da hiperexploração de seus profissionais. Entre os problemas, há que se ressaltar a formação de professores. É possível supor que os professores formados nessas metodologias aligeiradas, sobretudo o ensino a distância, não terão o necessário preparo para o exercício profissional com qualidade. Nesse sentido, o Projeto de Resolução do Conselho Nacional de Educação que dispõe sobre as diretrizes curriculares nacionais do curso de pedagogia é mais uma peça na engrenagem da formação massificada e aligeirada, fazendo mover os eixos da educação a distância e do repasse de verbas públicas para as instituições privadas de ensino.

 

Avaliação
 

Dentro da política geral em implantação no país, há pelo menos uma década, a avaliação exerce um papel fundamental. Na educação superior, essa regulação está sob o comando da CONAES, comissão de 13 membros de indicação quase exclusiva do Executivo Federal. Esse Conselho é uma esfera de poder importantíssima do Sistema Nacional de Avaliação - SINAES, que o Governo impôs por Medida Provisória, depois ratificada pelo Congresso. Os principais instrumentos do sistema de avaliação são: o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), um “provão”, que agora é componente curricular obrigatório com o objetivo de avaliação finalística (produto); a avaliação interna da instituição por meio da Comissão Própria de Avaliação (CPA) e a avaliação externa das instituições e dos cursos por comissões de especialistas indicados pelo MEC.

Esses instrumentos de avaliação não diferem, em essência, daqueles utilizados desde o fim da década de 90. O ENADE inicialmente está sendo aplicado de modo amostral a estudantes de início e final de curso, embora a sua regulamentação seja clara ao prever que todos os estudantes devem fazer o exame. Como o primeiro resultado comprovou, presta-se ao velho papel de instrumento de rankeamento. Pior: de um falso rankeamento!Tanto é que em cada estado apareceram listas que denunciam, na primeira versão desse instrumento, seu potencial de mistificação: no Rio de Janeiro, atrás apenas do curso de medicina da UFRJ, é rankeado um curso de uma IES particular que, há pouco tempo, o MEC, ainda na gestão de Paulo Renato, havia determinado  ao Conselho Nacional de Educação que renovasse a permissão da referida instituição  por apenas um ano. Espantosamente, o ENADE brinda-a com um certificado de excelência! Distorções semelhantes verificaram-se em praticamente todos os estados. Conforme fartamente denunciado pelo ANDES-SN e todas as entidades preocupadas com a educação superior de qualidade, especialmente as estudantis, esse tipo de instrumento constituído por uma única prova presta-se à manipulação de dados de diferentes ordens.

Uma outra forma de regulação estabelecida pelo Governo dar-se-á mediante protocolo de avaliação interna a ser construído pelas CPAs. De fato, essas comissões estão criadas, por determinação do MEC, na maioria das universidades. A despeito das diferenças individuais quanto à gestão das IES, de uma maneira geral, essas comissões foram formadas segundo o modelo antidemocrático de indicação, de acordo com critérios determinados pelas administrações com o completo desconhecimento da comunidade universitária.

Os protocolos de avaliação estão sendo, também, produzidos sem a discussão democrática da comunidade, seguindo, em grandes linhas e acriticamente, as orientações do MEC. Nesse sentido, é importante ressaltar atividade preparatória promovida recentemente pelo MEC para membros de CPAs. Foram, então, apresentadas diretrizes gerais para o protocolo a ser aplicado no SINAES, orientando e, de certa forma, condicionando mesmo os avaliadores das CPAs frente aos objetivos explicitados pelo Executivo para essa atividade. Vale pontuar a presença maciça de representantes das instituições privadas naquela atividade. Vale, ainda, notar a ênfase preferencial dada às atividades de ensino, em detrimento de atividade de pós-graduação e pesquisa explicitada nas orientações do MEC e que mereceu o aplauso efusivo dos membros das CPAs das IPES.

A estrutura desenvolvida para a avaliação externa das instituições e cursos demonstrou ser absolutamente deficiente. Embora seja de domínio público que muitas instituições privadas não oferecem cursos com qualidade compatível com critérios elementares, não se tem notícia de que alguma delas tenha sido fechada pelo MEC. Análise de Otaviano Helene, ex-presidente do INEP, em mesa realizada na USP (www.iea.org.br), indica que, para avaliar os mais de 16 mil cursos existentes, haveria necessidade de 12 avaliações por dia útil, a serem examinadas também pela SESU-MEC. Assim, o SINAES certamente não cumprirá com as suas metas ou o fará de modo irresponsável como ocorreu no ENAD.  

Se o Estado é máximo no controle e na regulação, é mínimo no seu dever de manter e desenvolver as instituições públicas estatais. De fato, os diversos informes dos integrantes do GTPE convergiram para a avaliação de que o estado de penúria vem se agravando nas instituições estaduais e federais. Entre as conseqüências negativas desse estrangulamento, foram sublinhadas a redução da oferta de vagas de boa qualidade e a difusão de modalidades aligeiradas de educação, conforme já apontado neste estudo preliminar.

 

Financiamento
 

Segundo dados elaborados pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara dos Deputados (COF/CD) sobre a evolução dos investimentos do governo federal em educação, houve uma significativa redução na ordem de 20% dos gastos no período de 2000-2003 em todos os níveis e modalidades de ensino. Em 2000, o montante de recursos investidos foi de R$ 13.611 milhões, em 2003, os valores investidos corresponderam a R$ 10.969 milhões. Essa redução se dá na mesma proporção quando é considerado apenas o ensino superior, com o qual os gastos da União caíram de R$ 9.328 milhões em 2000 para R$ 7.323 milhões em 2003.

O Anteprojeto de Reforma da Educação Superior não permite antever um novo padrão de financiamento para as IFES. A subvinculação proposta de 75% dos 18% da receita de impostos da União não garante a ampliação dos recursos. Atualmente, a receita de impostos equivale a apenas 1/3 da receita total da União, enquanto a receita proveniente das contribuições sociais, sobre as quais não incide a vinculação constitucional, corresponde a 2/3 da receita total. Mantida essa base de cálculo, a subvinculação de 75% dos recursos destinados às universidades federais equivale, em termos monetários, a R$ 4,3 bilhões, sequer se aproxima aos valores destinados em 2004, ou seja, R$ 7,5 bilhões. O Anteprojeto prevê apenas que as instituições não receberão menos recursos do que os destinados no exercício anterior.

A Andifes, em sua proposta de emenda ao Anteprojeto, reconhece os limites dessa proposição e defende uma nova base de cálculo assentada não apenas na receita de impostos, mas na receita bruta da União, ou seja, os 18% incidiriam sobre a receita bruta, sendo que não menos de 50% desse montante deverá ser destinado às instituições federais de ensino.

Para amenizar as críticas da entidade à situação de penúria em que se encontram as universidades, o governo firmou acordo com a Andifes propondo acrescentar à “Emenda Andifes” R$ 228 milhões para custeio das IFES. Entretanto, até o momento, os recursos não têm sido repassados na forma de duodécimos.

O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública tem sustentado que, para assegurar a expansão das vagas e caminhar para a democratização do acesso ao ensino superior público, é necessário que o MEC se comprometa com a derrubada dos vetos à meta do PNE de investimento de 7% do PIB para a educação pública, além da extinção da DRU. Com esse novo padrão de financiamento é possível a ampliação dos recursos para as instituições públicas de ensino superior para 2% do PIB em 2005/2006 e, especificamente, para as instituições federais, destinar 1,1% do PIB em 2005/2006. Isso permitiria a reconstrução da infra-estrutura e a realização de 20 mil novos concursos.

Entretanto, apesar de ter prometido para 2005 a realização de 5,2 mil concursos, o MEC autorizou apenas 2000 novas vagas. No que se refere aos recursos, o MEC está estimulando a competição entre as instituições federais de ensino superior por verbas. De fato, em seminário organizado pela USP, o representante do Ministério, Fernando Haddad, explicou que o MEC pretende definir um orçamento mínimo para custeio e, a partir daí, baseado nos PDIs e na avaliação, destinará verbas de acordo com a qualidade e as metas de cada instituição.

O resultado dessa política de redução dos gastos era previsível: a relação candidato/vaga nos processos seletivos nas instituições públicas, no período de 1993 a 2003, apresentou um aumento considerável, passando de 6,6 para 8,4, enquanto nas IES privadas houve uma queda ao longo da década, passando de 2,4 em 1993 para 1,5 em 2003. Em 2000, as instituições públicas de ensino superior ofereciam cerca de 20% das vagas. em 2004, observa-se uma sensível redução, o percentual de vagas ofertadas despencou para 14%. O governo anunciou que vai cumprir a meta do PNE de alcançar, no setor público, o percentual de 40% das matrículas do ensino superior até 2011. Entretanto, isso significa simplesmente retroceder à situação em que nos encontrávamos 10 anos atrás, quando o setor público respondia por 41% das matrículas. No último ano, as matrículas nas instituições privadas cresceram 78,9%, enquanto, nas públicas, caíram para 22%.

 

Correlação de forças
 

O êxito da Grande Marcha a Brasília “Vamos Barrar essa Reforma”, que reuniu mais de 15 mil manifestantes contra as reformas da educação superior e sindical/ trabalhista fez acender uma luz vermelha no Palácio do Planalto: os setores que compõem o cinturão protetor do governo no campo político e sindical avaliaram que o potencial crítico desse movimento era forte e logo poderia lograr êxito no combate às políticas neoliberais, ampliando o alcance das denúncias às referidas contra-reformas e – no processo de embates contra as medidas governamentais – alargar a consciência política de segmentos que, embora estivessem engajados nas lutas antineoliberais nos anos 90, ainda compõem uma difusa base de apoio no PT, na CUT e na UNE.

Facilitado pela derrota de prefeituras dirigidas com a participação de setores situados  no campo de esquerda do PT, o campo majoritário do Partido dos Trabalhadores retomou a iniciativa perdida nos dois primeiros anos de governo e, junto com parte da DS e do PC do B, passou a atuar mais intensamente no bloqueio às formas autônomas e democráticas de organização dos trabalhadores, trabalhando fortemente para inviabilizar um pólo de esquerda na CUT e, no caso da educação, criando falsos impasses no FNDEP com o propósito de paralisá-lo. É plausível supor que os dirigentes petistas no governo pressionaram as correntes de esquerda do PT que estavam engajadas na luta em defesa da educação pública forçando o afastamento destas dos coletivos que vinham organizando as lutas contra as reformas. É certo, contudo, que essas iniciativas não foram encaminhadas sem contradições e resistências, visto que a coalizão contra as medidas continua com capacidade de convocação e organização como pode ser visto, por exemplo, nos enfrentamentos da reforma sindical.

O governo apoiou, por distintos meios, manifestações em defesa de sua reforma. A mais significativa foi encaminhada pelas forças majoritárias da UNE que, em seis de abril de 2005, promoveram o "Dia Nacional de Paralisação e Luta", em defesa da reforma universitária. A ampla cobertura de outdoors em São Paulo, por exemplo, indica que a UNE alocou importantes recursos financeiros para viabilizar um grande ato. No entanto, o número de manifestantes foi irrisório, não mais de 1200 participantes (FSP, 6/4/05)[2].

Entre os estudantes que estão lutando contra as medidas governamentais, tem prevalecido um forte embate entre correntes, notadamente entre aquelas que defendem o rompimento com a UNE e as que defendem a disputa de sua direção.  A divisão do movimento estudantil de esquerda em correntes não tem sido um fator impeditivo de ações conjuntas e de unidade de ação, como o dia 25 de Novembro comprovou. Mas a proximidade do congresso da UNE (29/6 a 3/7/05) aumenta o grau de disputa e tensão entre as forças. O resultado concreto é a relativa paralisia do movimento estudantil no tocante às lutas contra a chamada reforma. Nesse sentido, o congresso da UNE e, principalmente, seus desdobramentos terão de ser cuidadosamente considerados no exame da conjuntura.

O segmento dos técnicos e dos administrativos (Fasubra) direcionou o seu trabalho político na defesa do projetoUniversidade para os Trabalhadores”. O fortalecimento da corrente “Vamos à Luta”, francamente crítica da contra-reforma, na Direção Nacional da entidade e nas suas plenárias, é um acontecimento sumamente importante, pois fortalece o pólo de resistência que propugna um outro projeto e uma outra agenda para a educação superior brasileira. No mesmo sentido, a reaproximação do ANDES-SN com o Sinasefe, em particular na luta pela carreira única, é, desde o presente, alvissareira.

Os reitores das IFES (Andifes), motivados por promessas de novos recursos para outros custeios nas universidades, passaram a apoiar a reforma de modo quase que incondicional. Declarações do tipo: “mesmo aprovada do jeito que está, a reforma é um avanço” passaram a balizar o apoio ao projeto. No entanto, forçosamente, a entidade teve de analisar os números decorrentes da reforma e, alertada, inclusive pelo ANDES-SN, chegou à mesma conclusão do que o Sindicato: com a subvinculação (75% dos 18% constitucionais), não haverá recursos novos (adicionais) para as IFES. Baseada nessa constatação, sustentou a necessidade de revisão do Anteprojeto, objetivando a garantia de um mecanismo de financiamento que possibilite mais recursos para as instituições federais. A realidade dos fatos novamente está falando mais alto do que as promessas do governo, assim, por exemplo, em vez de 5,4 mil vagas para a contratação de docentes, vieram apenas 2 mil. Os repasses dos recursos continuam não obedecendo aos duodécimos prometidos pelo MEC. Assim, o tom de apoio vem sofrendo nuances e, em algumas instituições, há reversão, havendo conselhos universitários com manifestações abertamente contrárias ao Anteprojeto. Adicionalmente, a posição crítica das universidades do estado de São Paulo tem um significado relevante, não apenas pelo lugar proeminente ocupado na educação superior brasileira, mas, também, por colocar o problema da autonomia universitária de modo mais bem conceituado nos debates do tema

O setor privado tem feito críticas abertas ao Anteprojeto do MEC. Embora os distintos segmentos estejam em permanente conflito decorrente da acirrada competição pelosclientes”, lograram uma manifestação consensuada (“Considerações e Recomendações sobre a Versão Preliminar do Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior”, elaborado pelo Fórum Nacional da Livre Iniciativa da Educação) e foram capazes de promover considerável barulho na mídia. Em Veja e  OESP, veicularam duros ataques à proposta do governo. Basicamente, os empresários e seus aliados criticaram toda tentativa de regulamentar as mantenedoras e de ampliar o controle social sobre as instituições privadas, admitindo, entretanto, a avaliação, as políticas de democratização do acesso (desde que baseadas no fornecimento privado) e as condições para a classificação das IPES em universidades ou centros universitários. O MEC e seus aliados mais próximos tentaram difundir um falso silogismo: se os empresários estão criticando é porque o projeto é bom!”. Obviamente, um silogismo vazio, como ficou demonstrado no ProUni: criticaram a medida para ampliar os seus benefícios (e foram bem sucedidos nessa empresa: reduziram de 20% para 4,25% o porcentual de vagas destinadas a bolsas integrais!).

Ao mesmo tempo, sem muito alarde, o Ministro Tarso Genro passou a negociar com os segmentos empresariais e tudo indica que fará novas e importantes concessões aos empresários, como os cursos a distância e a manutenção da abertura da educação ao investimento estrangeiro. Assim, obviamente, os empresários não são sequer aliados conjunturais pois querem aprofundar ainda mais o que de pior existe na política do MEC. O lócus de ação desse segmento será o parlamento e a Casa Civil, espaços em que esperam ter seus anseios atendidos. A consideração da correlação de forças no congresso é crucial no debate da conjuntura. Alguns dirigentes empresariais afirmaram que doravante somente se manifestarão quando o projeto for enviado para a Casa Civil, lugar em que a negociação é mais efetiva, afirmam.

Embora amparado por um milionário esquema publicitário, o MEC tem limites por sua condição secundária na coalizão do governo. Dificilmente suas promessas terão o pleno suporte da área econômica e isso inevitavelmente irá enfraquecer a sua força política. Na nova versão do Anteprojeto, prevista para ser divulgada no dia 30/5/05, se apoiar, de modo ainda mais incondicional, os pleitos dos empresários irá atingir a credibilidade do discurso dos seus aliados na UNE, CUT e no PT, se não os atender, será pressionado pelo núcleo dirigente do governo e pelo parlamento. Como o poder destes últimos é muito maior, é de se prever tensionamentos crescentes com os seus apoiadores nas referidas organizações. A retomada do projeto de lei da Dep. Selma Schons (PT-PR), instituindo a cobrança de taxas após os estudantes concluírem os seus cursos, por meio de imposto de renda diferenciado dos egressos, indica que o núcleo dirigente do governo – representado no PT – não abandonou a idéia do fim da gratuidade.

O quadro aqui esboçado indica que o sindicato nacional tem um considerável espaço de atuação política. Os inúmeros debates e eventos têm sido capazes de mobilizar um público crescente, em particular no segmento estudantil. A receptividade a Agenda do ANDES-SN tem aberto caminhos para o diálogo com colegiados de diferentes níveis. O maior desafio, no presente momento, é estreitar os laços com os estudantes e os técnicos e os administrativos, no plano interno das instituições; e, mais amplamente, com movimentos sociais, sindicatos e entidades acadêmicas. Esse intento requer um tratamento prioritário ao problema do FNDEP. Paralisado pelos impasses fabricados na Plenária realizada no FSM, urge retomar o seu funcionamento, o que irá exigir complexas discussões com as entidades que o compõem. Demandas da conjuntura estão exigindo a sua rearticulação – como as novas diretrizes para a formação de educadores.

O principal tema que gerou o impasse na referida Plenária Nacional do FNDEP foi a realização de uma conferência sobre a educação superior convocada pelo Fórum. Na ocasião, o ANDES-SN afirmou não poder aprovar a iniciativa visto que, sendo inédita, teria de contar com a deliberação de instância do sindicato. O ANDES-SN propôs que a melhor alternativa para difundir amplamente o debate seria convocar uma plenária ampliada do FNDEP, algo que poderia ser imediatamente consensuado. Como ficou explícito, um pouco depois, a rigor, a conferência, pensada como instância para discutir e aprovar emendas ao Anteprojeto do governo, não foi sequer deliberada pelas entidades que reivindicaram o seu patrocínio. O ANDES-SN mantém a sua avaliação de que as entidades devem trabalhar a partir da agenda consensuada no V Coned e nas últimas plenárias do FNDEP. Caso a proposta de uma conferência seja formalmente submetida ao Sindicato Nacional, o tema terá de ser discutido preferencialmente no âmbito do Fórum e deliberada pelo sindicato.

O ponto nodal da conjuntura é, portanto, a reaglutinação das forças empenhadas emBarrar Essa Reforma”, retomar as mobilizações nos espaços públicos e trabalhar de modo sistemático a Agenda, objetivando difundir a correta idéia de que existem alternativas à barbárie neoliberal que reconceitua a educação como uma mercadoria.

 

GTPE/ANDES-SN

 


 

[1] Texto elaborado na reunião do GTPE realizada em Brasília, nos dias 21 e 22 de maio de 2005.

[2] http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u17287.shtml

Fonte: Andes-SN