E
NASCE A ADUR - UM CASO DE LUTA
Ana Lúcia
Valença de Santa Cruz Oliveira
“Éramos
colegas, hoje somos companheiros de luta”.
A pesquisa tem por objeto o
sindicalismo docente na Universidade Rural do Rio de Janeiro durante o período
de redemocratização do país. A discussão é desenvolvida tendo como
referência o que foi consagrado como “novo sindicalismo”. Segundo os
atores envolvidos, o “novo sindicalismo” veio para construir uma
"nova prática", em oposição ao "velho
sindicalismo", o "peleguismo", o "corporativismo"
e o "populismo".
Na onda das mobilizações que marcaram o cenário nacional
no final da década de 70, ainda proibidos de sindicalizarem-se, foram
criadas dezenas de entidades representativas dos trabalhadores no setor público,
entre elas a Associação dos Docentes da Universidade Rural.
O clima no país era de
redemocratização. Nas universidades, bem como no restante do setor público,
as mobilizações contra o regime militar vieram juntas com a proposta de
organizarem-se associações de professores, funcionários e estudantes.
Nas universidade onde já existia algum tipo de entidade, ainda que com
caráter recreativo, assistencial e cultural, iniciava-se a discussão de
dar a elas um caráter sindical.
Em certa medida, essas aspirações
refletiam as transformações ocorridas nas universidades e no perfil dos
docentes. A cátedra, o formalismo elitista foi dando espaço a um aumento
no número de professores e alunos, aproximando os primeiros, cada vez
mais, das reivindicações comuns dos demais trabalhadores. Foi uma mudança
importante, pois até então havia uma cultura que os aglutinava e os
afastava da imagem do trabalhador assalariado.
É sobre os acontecimentos
ocorridos, entre a fundação da ADUR(1979) e a da ANDES(1981), que
focamos nosso estudo do movimento docente na Universidade Rural. Trata-se
de um momento particularmente favorável para verificar-se o tipo de
sindicalismo nascente.
A fundação
da A ADUR-RJ
O fim da década de 1970 marcou o
surgimento no interior do movimento sindical de uma nova corrente. Sua
marca, foi a crítica ao sindicalismo praticado pelas direções então à
frente dos sindicatos, a quem acusavam de corporativas e pelegas, e ao
sindicalismo do pré-64, a quem chamavam de “populista”. Auto
intitulava-se "sindicalismo autêntico" e conjuntamente com o
movimento operário do ABC paulista, cumpriu importante papel no processo
de reorganização dos trabalhadores brasileiros. Este grupo esteve na
liderança dos Congressos e Encontros de trabalhadores que antecederam a
fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Sem dúvida, o chamado “novo
sindicalismo”, nascido na luta pela redemocratização política do país,
conseguiu impor mudanças profundas na legislação sindical brasileira,
embora ainda permanecessem fortes laços com a antiga estrutura - a
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o imposto sindical e a Justiça
do Trabalho. Em linhas gerais, descritas por Maria Hermínia Tavares de
Almeida, esta corrente tinha como eixo a proposta de fim da ingerência
estatal no mundo do trabalho.
"(...) em gestação opôs-se à política
de fixação pelo governo dos reajustes anuais de salários e pregou a
negociação coletiva entre sindicatos e empregadores, sem a mediação de
organismos estatais. Para torná-la possível exigiu a volta ao direito
irrestrito de greve e a liberdade e autonomia sindicais cerceadas pela
legislação que impunha a tutela do Ministério do Trabalho entre as
entidades de classe. Contra a lei que erigia os sindicatos fora das
empresas defendeu a criação de organismos sindicais nos locais de
trabalho. Finalmente, em oposição a um sindicato burocratizado, oligárquico
e pouco representativo, propôs um sindicalismo mobilizador,
participacionista e democrático".(1983, p. 202)
O sindicalismo brasileiro
ressurgiu, juntamente com outros movimentos sociais, agitando as bandeiras
da anistia, eleições diretas e o fim da ditadura militar. Foi no
interior desses movimentos que, em fevereiro de 1979, o movimento docente
realizou em São Paulo o I Encontro Nacional de Associações Docentes
(ENAD), cuja pauta era: 1) Ensino Público e Gratuito; 2) Democratização
da Universidade; 3) Questões trabalhistas e salariais; 4) Controle Ideológico
nas Universidades. Estas foram as questões que nortearam a luta dos
docentes universitários.(Baldijão, 1988,p. 7)
Se havia consenso sobre as
bandeiras democráticas - a defesa da universidade e do ensino público e
gratuito – divergiam quanto ao caráter que deveria assumir a nova
entidade. Basicamente as posições que predominavam eram as seguintes: a
dos que defendiam uma estrutura federativa e a dos que propunham uma
associação nacional independente da estrutura sindical corporativista.
(Maciel: 1992, p. 2)
Na Universidade Rural, em parte
repercutindo as discussões nacionais, além do caráter da nova entidade,
havia uma questão que a precedia; havia muitas dúvidas sobre a conveniência
de construir uma entidade sindical. Havia muitos que consideravam um
“absurdo que o professor universitário fundasse um sindicato. Eles
achavam um rebaixamento participar de um sindicato”. Esses professores,
que não eram poucos, defendiam que todas as atividades dos professores se
dessem através da estrutura institucional – departamentos, institutos,
conselhos, etc.
Essas opiniões refletiam concepções arraigadas, que viam no professor
uma elite intelectual que se traduzia numa elite social, posição
incompatível com as atividades reivindicatórias. O processo de
convencimento da categoria foi lento e exigiu muito das lideranças do
processo.
“Mas esse processo de formiguinha, esse
grupo convence um, convence outro, mostrando sobretudo o que é que a
repressão fez com a nossa carreira, nossas reivindicações e, sobretudo
com os nossos sonhos e, com isso, eu acho que a maioria foi sensível a
criação.”
Os dirigentes do processo de fundação
da Associação, definiram algumas metas/condição preliminares.
Decidiram que o quorum mínimo para fundá-la exigia a presença de 100
professores na assembléia, ou seja, cerca de 25% dos professores. A
assembléia contou com a presença de 240 professores cerca de 60% do
corpo docente. Dirigindo os trabalhos, estavam alguns dos professores mais
qualificados: Raimundo Brás Filho, Manlio Silvestre Fernandes e Antônio
Figueiredo.
Entre os que compareceram a assembléia de fundação
...
“(...) um grupo achava que deveríamos
lutar pela inserção institucional da entidade, fazer parte do Conselho
Universitário, etc. Outro grupo, que reunia a maioria dos professores da
ADUR, achava que a entidade deveria ter uma estrutura autônoma,
independente. Esse último grupo sempre achou que ela seria mais isenta se
fosse independente da estrutura administrativa e daria trânsito livre
para mobilizar os professores.”
A posição de independência e
autonomia prevaleceu, acompanhando a tendência predominante na maioria
das outras universidades e também o que estava ocorrendo em outros
movimentos sindicais pelo país, especialmente no ABC. A independência
tinha mais de um significado. O mais enfaticamente defendido, se refere à
independência com relação ao Estado. A proposta era de dar a entidade
um desenho diferente do que predominava (e predomina) na estrutura
sindical brasileira. Ao invés de se organizar verticalmente em
sindicatos, federações e confederação, a ADUR, acompanhando a tendência
predominante no movimento docente nacional, organizava-se como seção
local, organizada no interior da universidade, mas com vistas a compor um
sindicato nacional. Importante também foi definir que não iria cobrar o
imposto sindical – contribuição compulsória – mas que sobreviveria
pela contribuição voluntária de seus filiados.
Mas era defendido também a
independência em relação à estrutura da própria universidade e as
vinculações político partidárias. O estatuto aprovado na assembléia
de fundação da entidade, em 30 de maio de 1979, consolidaram essas
posturas:
Art. 4o (...) a
ADUR-RJ propõe-se a: 1) constituir-se independente e autônoma; 2)
estabelecer e incentivar intercâmbio científico, cultural, social e
organizacional entre docentes da UFRRJ; 3) promover a interação de
docentes, técnicos administrativos e estudantes e destes com a
comunidade; 4) posicionar-se perante problemas gerais e os pertinentes à
vida universitária, exceto os de caráter religioso e político-partidário;
5) pleitear, sugerir ou solicitar junto aos poderes competentes medidas
referentes à categoria; 6) contribuir para o estabelecimento de ligações
permanentes e vínculos organizacionais com Associações congêneres,
tanto do ensino público como do ensino particular.
Na mesma assembléia, foi formada
uma diretoria provisória encarregada de conduzir o processo eleitoral,
marcado para outubro.
A administração da Universidade não
opôs nenhuma resistência à associação dos professores.
As primeiras reuniões foram realizadas dentro da Universidade, depois do
expediente. Foi feito pedido formal, solicitando que fosse cedida uma sala
e autorizada a participação dos professores. Na mesma ocasião, o reitor
foi convidado para se filiar a associação. Aceitou, mas ficou muito
pouco tempo filiado.
Esta atitude prudente das lideranças,
agindo “comportadamente”, como falou o Antônio Constantino dos
Santos, era adequada as dúvidas que tinham muitos professores acerca da
conveniência de caminharem para uma ação sindical. Para muitos, a
atividade sindical era algo estranho às atribuições dos professores e só
deveria ser feita “nas horas vagas”.
A chapa que se inscreveu para
concorrer, em termos gerais assumia o compromisso de lutar pela melhoria
das condições de vida, trabalho e salário dos docentes, bem como
estimular a vida acadêmica, no que diz respeito ao ensino, pesquisa e
extensão.
A ADUR demorou para conseguir
instalar uma sede onde pudesse funcionar. Nos primeiro meses, funcionou na
sala dos professores Jair da Rocha Leal e Antônio Constantino dos Santos,
que formavam o núcleo da diretoria.Somente na gestão de 1981-83, quando o professor Ricardo Miranda
era secretário da Associação, o Instituto de Agronomia emprestou uma
sala, onde foi colocado o arquivo. Na verdade, o empréstimo foi informal:
“A sede oficial onde você podia ficar e, até então, era quase que
clandestina, era na minha sala.”.
A escolha do local para a sede, além
do seu sentido meramente logístico, envolvia questões políticas entre
os professores. Por um lado, a idéia de manter uma entidade independente
da administração da Universidade e de outra a cultura enraizada por
anos, de que havia incompatibilidade entre a função docente e a
atividade sindical. A direção da ADUR chegou a estudar a possibilidade
de instalar a sede na Cooperativa, onde fica o Casarão, ao lado do posto
de gasolina.
A outra hipótese, era alugar um espaço em Seropédica, no Km 49 da Rio-São
Paulo.
Após muitas discussões, as lideranças aprovaram a proposta de construir
a sede dentro do campus, em regime de comodato.
Nas negociações com a Reitoria
foi postulado um espaço atrás do Prédio Central (P1). Das negociações
participaram também a Associação dos Servidores da Universidade Rural
– ASSUR. Apenas durante a campanha eleitoral para a Reitoria, já em
1988, houve um acordo entre as duas chapas concorrentes, que assumiram o
compromisso de ceder o espaço para as entidades. Assim que o professor
Hugo Rezende foi empossado, as negociações foram retomadas e, ao final,
a cessão foi assinada, apesar do parecer contrário da Procuradoria.
Ficou acertado que o local teria dez mil metros, cinco mil para a ADUR e
cinco mil para a ASSUR. Mesmo assim, durante um bom tempo, a sede da ADUR
continuou sendo o lugar onde estava o presidente ou o secretário.
Três meses depois de fundada, e
antes mesmo da eleição da primeira diretoria, os acontecimentos na
Universidade envolveram a ADUR numa longa mobilização contra a Reitoria.
O motivo: a morte do estudante George Ricardo Abdala, atropelado na
rodovia que passa em frente ao campus. Quase imediatamente os estudantes
se mobilizaram, pedindo maior segurança no campus universitário,
melhoria no atendimento médico e no Posto de Saúde. Olhando
retrospectivamente, eram reivindicações banais, que poderiam ser
resolvidas com relativa tranqüilidade. Os quinze anos de autoritarismo,
tornaram-nas um desafio e uma razão para impedir que o movimento
crescesse.
O professor Walter Motta Ferreira,
envolvido pelo turbilhão, foi sumariamente demitido pelo Reitor, Arthur
Orlando Lopes da Costa. O episódio tomou conta da universidade por quase
um ano e sobre ele todos os membros da comunidade foram chamados a se
posicionarem, assim como o próprio governo e a sociedade fluminense. A
história da ADUR tem muito a ver com esses episódios e, em certo
sentido, os alinhamentos na época ainda têm importância na política
universitária de hoje.
Na noite do dia 20 de setembro de
1979, o estudante George Ricardo Abdala morreu vítima de um atropelamento
na Rodovia Rio-São Paulo, no trecho entre a Rural (km 47) e o km 49, onde
residiam boa parte dos alunos não alojados da Universidade. Como ocorre
ainda hoje, este trecho é mau sinalizado e pouco iluminado.
Os alunos, sob o impacto da morte
do colega e inconformados com os graves problemas de segurança,
organizaram-se para reivindicar junto à Reitoria melhores condições de
acesso à zona residencial (ciclovia e iluminação), policiamento mais
efetivo e aumento do número de médicos no ambulatório da Rural. Foram
formadas várias comissões para irem às salas de aula explicar as
propostas e convocar para uma assembléia às 10 horas no Gustavão, no
dia 21.
No Instituto de Zootecnia, um grupo
de alunos foi parado pelo professor Walter Motta Ferreira quando iam
entrar na sala do professor Edson de Assis Mendes, que ministrava a
disciplina de Zootecnia II. Amigo particular do estudante morto, o
professor, visivelmente em estado de tensão após ter passado à noite no
velório, prevendo a possibilidade de ocorrer algum tumulto, propôs
transmitir pessoalmente o aviso. Em troca, os alunos deveriam se retirar
do Instituto. E assim ficou acertado. Porém, quando o professor Walter
estava fazendo a comunicação, um dos alunos da comissão entrou na sala
de aula e criticou o Serviço Médico da Universidade. O professor
solicitou que o aluno se retirasse, pois já dera o aviso à turma.
O clima era de tensão, mais pela
falta de prática no exercício democrático. Num gesto inesperado, os
alunos da turma se retiram da sala de aula. O professor Edson comunicou o
fato ao subchefe do Departamento de Produção Animal, professor José
Alberto Baptista, que o aconselhou a permanecer em sala até o fim do período
e lançar falta aos alunos que se retiraram.Na mesma tarde procurou ao professor Walter e o aconselhou a
manter-se distante dos desdobramentos que os fatos teriam, o que foi
aceito pelo professor.
No Encontro Nacional de Docentes,
realizado em Salvador, havia sido marcado para o dia 26 de setembro o
“Dia Nacional de Reivindicações Salariais, Trabalhistas e de Carreira
nas Instituições de Ensino Superior”. E foi nesse mesmo dia que o
professor Walter foi comunicado de sua demissão.
O diretor do Instituto de Zootecnia
remeteu o pedido de demissão ao reitor, que sem sequer ouvir o professor
envolvido e apurar os fatos, encaminhou para o departamento de pessoal a
demissão. Surpreendido, o professor encaminhou ao reitor uma carta onde
explicava os acontecimentos e solicitava a formação de comissão para
apurar os fatos.
O professor Arthur Orlando Lopes da Costa, Reitor, aceitou as ponderações
e encaminhou ao diretor do Instituto de Zootecnia um ofício propondo a
revogação da demissão:
“(...) As razões em que se arrima a
defesa do docente em questão conduzem ao entendimento de que os fatos
ocorridos e que deram origem ao Of. no. 344/79, dessa Diretoria, foram
resultantes de inexperiência da parte do mesmo, não havendo, ao que
parece, intenção de desrespeito à boa ordem e à disciplina interna da
Unidade.
Por outro lado, temos recebido informações
bastante positivas acerca do desempenho profissional do aludido docente,
fato esse que nos inclina a acatar, em princípio, a retratação
apresentada pelo mesmo, sem que isso represente qualquer embargo a
entendimento em contrário que possa vir a ser defendido pela Direção do
Instituto de Zootecnia.
O que não é aconselhável é a instituição
da comissão proposta pelo mesmo, pois estamos certos de que a nada
conduziria, como nos tem provado a experiência.
Esta é a posição da Reitoria. Se com
ela concordar a direção do Instituto, poderá ser concedida nova
oportunidade ao recorrente."
O diretor não se mostrou
sensibilizado e reafirmou sua disposição em demitir o professor.
"A demissão do Auxiliar de Ensino
Walter Motta Ferreira teve uma repercussão entre os demais docentes
daquela categoria e alunos do Instituto de Zootecnia. Sentiram esses
grupos que a autoridade constituída não pode ser alvo de manifestações
que afetam a disciplina e a hierarquia de uma Instituição.
O clima disciplinar desta Unidade que nos
últimos meses apresentava-se abalada devido a ação maléfica, junto aos
alunos, de alguns Auxiliares de ensino, retornou a normalidade depois da
medida acauteladora adotada por Vossa Magnificência.
Pelo exposto, esta Diretoria lamenta
profundamente ter que tomar a presente atitude ao opinar sobre o assunto,
pedindo vênia a Vossa Magnificência para considerar desaconselhável a
readmissão do requerente."
A Reitoria, então, devolve o
processo ao departamento de pessoal, que rescinde o contrato do professor.
Tudo indica que a postura do reitor fora mera encenação. O próprio ofício
do diretor do Instituto de Zootecnia, pedindo a demissão do professor,
fora datilografado na única máquina elétrica IBM existente na
Universidade, da Reitoria.
Mais do que o caso em si, a
correspondência torna claro que estava em jogo duas questões: o sistema
autoritário de gestão universitária, como de resto o do país, e a
mobilização nacional dos docentes. Os professores das universidades públicas,
na maioria federais autárquicas, estavam em plena campanha pela integração
do então professor-colaborador e professor-horista
no quadro funcional. O professor demitido era um dêles, e havia uma certa
hierarquia funcional que vigorava no interior das universidades. Assim, a
demissão, por um lado, reafirmava a postura autoritária de gestão e,
por outro lado, rejeitava a absorção de professores extra-quadro.
Os tempos eram outros, embora a
administração da Universidade tenha levado muito tempo para perceber.
Cerca de 300 alunos do Instituto de
Zootecnia entraram em greve de protesto por 15 dias.
A Associação dos Docentes passou a receber grande número de professores
dos diferentes Institutos solicitando que fosse feita a defesa do
professor. Na eleição para o conselho de Representante da ADUR, o
professor Walter foi eleito representante dos professores do Instituto de
Zootecnia, com 18 votos dos 19 sócios votantes do Instituto.
A Diretoria e o Conselho de
Representantes da ADUR aprovaram uma moção de repudio e exigiram a
revogação da demissão do professor.
"(...)
Esta demissão é vista não só como ato injusto, tendo em consideração
a dedicação e seriedade do docente em causa, como também uma ameaça à
garantia de emprego de todos os professores contratados da UFRRJ, que
constituem a grande maioria do corpo docente.
A ADUR considera que a maneira como foi
encaminhada a demissão do professor WALTER representa um ato de cassação
branca que não pode ser aceito em nossa Universidade, no momento em que
as Associações de Docentes de todo o país se encontram empenhadas na
luta contra as casacões brancas e explícitas e pela reintegração de
todos os professores afastados por atos de exceção.”
A diretoria da ADUR e
representantes do Instituto de Zootecnia procuraram novamente a administração.
Após uma longa reunião, o reitor eximiu-se da responsabilidade e
reiterou que a demissão só seria revogada se houvesse uma solicitação
do Instituto de Zootecnia, “pois não poderia desprestigiar seu diretor
de Instituto".
Dirigiram-se para o Instituto de
Zootecnia. E, para surpresa de todos, o diretor disse que o único que
poderia resolver o caso era o reitor. No entanto, durante a entrevista,
mostrou que não estava disposto a rever sua posição. Traiu-se ao contar
sobre uma reunião entre uma comissão de alunos e alguns professores do
Instituto. A comissão de alunos, segundo suas palavras, o invés de
defender o professor Walter, o havia "entregado". Perguntado
sobre o significado deste "entregado", o diretor disse ter
ouvido de uma aluna que o professor Walter era um dos poucos professores
naquele Instituto que "defendia os alunos". Este argumento
absurdo, deixou os membros da ADUR indignados.
Percebendo as manobras, os
diretores da ADUR propuseram uma reunião conjunta entre o diretor do
Instituto de Zootecnia e o reitor, que não foi aceita. Nesta altura dos
acontecimentos, estava claro que não havia nenhuma intenção em rever a
demissão. Mesmo assim, continuaram insistindo e foram procurar o
professor Edson Assis Mendes, na sala de quem tudo começara. Depois,
foram falar com o professor José Alberto Baptista, na época do incidente
respondendo pela chefia do Departamento. O professor afirmou que "só
tinha elogios ao professor Walter e que não havia pedido, por escrito ou
oralmente, qualquer punição”. Desafiou-os a encontrarem no
Departamento de Produção Animal algum registro de pedido de punição ao
professor Walter.
Como é comum ocorrer na reconstrução
histórica dos fatos, nas palavras dos envolvidos, parece que ninguém
tinha responsabilidade pela demissão. No entanto, o professor continuava
demitido.
Quanto mais a ADUR se posicionava,
piores se tornavam suas relações com a Reitoria. A primeira das medidas
adotadas contra a Associação foi negar a autorização para que a
assembléia se realizasse no Gustavão.
Em seu despacho, o reitor se explicava: "em face do comportamento da
Associação não vê a administração como atender o pedido". Até
então, a administração nunca tinha negado autorização para a realização
de atividades da Associação no interior da Universidade. De qualquer
forma, a assembléia dos docentes foi realizada no anfiteatro Plínio
Magalhães e aprovou:
1.
Um manifesto de repudio sobre a punição arbitrária do professor
Walter, para ser encaminhado ao presidente do Conselho Universitário da
UFRRJ, ao Ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portela, e à
Imprensa.
2.
A contribuição mensal de cinqüenta cruzeiros por sócio, para
constituir um fundo especial a fim de cobrir o salário do professor
Walter durante a campanha por sua reintegração.
3.
Permanecer em assembléia permanente e marcar nova reunião para o
dia 29.11.79.
A proposta de retenção de
conceitos dos alunos foi derrotada, mas o manifesto foi assinado por 228
dos 400 professores da universidade.
O manifesto foi entregue no dia 21
de novembro, ao presidente do Conselho Universitário. O reitor, Arthur
Orlando Lopes da Costa, estava presente, além do vice-reitor, Vicente de
Paulo Graça, do Decano de Extensão e da procuradora-geral, Maria Arruda
Bacharat. Inicialmente foram relatadas as resoluções da assembléia.
Havia tensão entre os presentes. O reitor fez uma longa exposição, após
a qual a ADUR reafirmou seu interesse em apurar os fatos. O vice-reitor,
Vicente de Paulo Graça, exaltou-se dando um tapa na mesa, afirmando que só
se ouvia o ponto de vista da Associação. O reitor pediu calma, afirmando
que o Manifesto era resultado de um ato emocional e que aguardaria os
resultados da nova assembléia, marcada para o dia 29 de novembro. Ao
mesmo tempo, proibiu a realização das assembléias no Campus da
Universidade.
As associações de docentes de vários
Estados, reunidas nos dias 21 a 23 de novembro, em Belo Horizonte, se
solidarizaram com a ADUR. O caso começava a trilhar um rumo nacional.
No dia 29 de novembro, os
professores da Rural se reuniram na sede do Clube Social, próximo ao
Campus, e resolveram intensificar a campanha pela readmissão do
professor. Foram dados uma série de encaminhamentos:
1. Proceder a levantamento de
irregularidades e arbitrariedades praticadas na UFRRJ.
2. Apurar, junto ao corpo docente e
discente do Instituto de Zootecnia, alegações feitas pelo diretor contra
o professor Walter Motta Ferreira e constantes do Processo de punição.
3. Declarar o professor Nei Queiroz Silva,
diretor em exercício do Instituto de Zootecnia, PERSONA NON GRATA e
expressar ao Sr. Ministro da Educação e Cultura, Eduardo Portela, a posição
dos docentes da UFRRJ contrária à
sua nomeação como diretor do Instituto de Zootecnia
4. Entregar através de uma comissão o
Manifesto dos Docentes ao ministro.
5. Encaminhar recurso ao Conselho Universitário
contra as decisões do Reitor de rescindir o contrato do professor Walter
e de proibir a realização de assembléias da Associação campus da
Universidade.
6. Permanecer em
Assembléia Permanente.
A proposta de retenção dos
conceitos finais dos alunos foi longamente debatida e novamente rejeitada.
No dia seguinte, os dirigentes da
Associação, acompanhados de outros professores, estiveram com o Delegado
Regional do MEC, a quem entregaram o Manifesto. Marcos Almir Madeira,
recebeu a comissão e manifestou-se favorável às reivindicações dos
docentes.
As decisões tomadas na assembléia
do 6 de dezembro foram mais agressivas.
1. Retardar entrega de conceitos dos alunos
até o prazo final, em 14 de dezembro de 1979.
2. Não entregar os conceitos, caso não
fossem aceitas as reivindicações.
3. Não participar em cursos de férias e
das matrículas.
4. Finalmente, paralisar atividades de
lecionação em março de 1980, caso as reivindicações dos docentes não
tenham ainda sido atendidas..
Dia 14 de dezembro, prazo limite
para a entrega dos conceitos dos alunos, os professores resolveram cumprir
a deliberação da assembléia.
Na reunião do Conselho Universitário
realizada em 9 de janeiro de 1980, de um lado estavam os docentes e os
discentes, de outro lado, a administração da universidade. Pela leitura
da ata, fica claro que a administração contava com o apoio da maioria
dos diretores dos Institutos, com exceção do diretor do Instituto de
Agronomia, professor Ary Carlos Xavier Velloso.
O Reitor iniciou seu
pronunciamento, dizendo que sabia que as notas estavam sendo entregues
para os alunos, mas não eram enviadas para Decanato de Graduação. Isto
aconteceu, segundo afirmou, especialmente nos institutos de Ciências
Exatas e no de Agronomia. A reunião do Conselho foi suspensa e uma
portaria assinada na hora nomeando os professores José Antônio Pinheiro
Gomes Saraiva e Roberto Campos e a servidora Zenaide Figueira da Silva,
para formarem uma comissão encarregada de investigar o assunto. O
professor José Antônio
Pinheiro Gomes Saraiva foi instruído a retirar-se do plenário e iniciar
as diligências.
Logo depois de reiniciar, a reunião
foi novamente suspensa, desta vez pela procuradora-geral da Universidade,
Maria Arruda Bacharat, que "(...) pediu desculpas, mas precisava
falar urgente”. Ela informou que "fora encontrado um quadro de
avisos no Departamento de Solos repleto de relações de graus e conceitos
de alunos, inclusive um deles preenchido no formulário oficial do
Decanato de Graduação. Continuando sua explanação, alertou que a
Comissão recém formada não deveria retirar os documentos do quadro de
avisos, sob pena de danificá-los.
O presidente do Conselho pediu à
Ary Velloso, diretor em exercício do Instituto de Agronomia, que fosse até
o local e retirasse o documento. Esse afirmou que já que sabia da existência
dos documentos no quadro, há algum tempo. Foi interpelado pela
procuradora, que se disse surpresa com a informação, já que recebera do
próprio diretor, por ofício protocolado, a informação de que os
conceitos não haviam sido fornecidos.
O presidente, Arthur Orlando Lopes
da Costa, reafirmou sua determinação de que o professor Ary Velloso
fosse buscar o documento. O conselheiro retirou-se do plenário,
regressando vinte minutos depois. Confirmou que a documentação estava
afixada no quadro de avisos, desde o dia 14 de dezembro, assinada pelo
professor Luiz Freire. O fato foi registrado.
Prosseguindo, o reitor informou
sobre um ofício remetido ao Ministro da Educação e Cultura, denunciando
às “perturbações” que a ADUR estava promovendo com a participação
de cerca de 83 docentes. Denunciou incidentes como invasão de salas,
ocupação do anfiteatro, contestação, publicação de boletins
especiais desabonando a Reitoria e a retenção dos conceitos e provas,
prejudicando especialmente 150 estudantes que não puderam formar. Ao
encerrar, pediu para ser aprovado um requerimento para abertura de inquérito
junto a Polícia Federal.
O professor Guilhermino Costa Souza
propôs um voto de total apoio ao reitor, no que foi seguido pelos
professores Homero Roberto Passos Werneck de Carvalho, Fausto Aita Gai,
Henrique Boschi, Nei Queiroz Silva, Geraldo Goulart da Silveira e Octacílio
Pinto Cordeiro de Souza.
O único voto discordante foi do
professor Ary Velloso, que manifestou-se contra à rescisão do contrato
do professor Walter Motta Ferreira. Foi interrompido pelo Reitor, dizendo
que as medidas eram contra as “indisciplinas e insubordinações de um
grupo de docentes, indisciplinas essas que culminaram com a sonegação de
conceitos e provas".
A moção de solidariedade proposta
pelo professor Guilhermino Costa Souza foi assinada por todos, exceto pelo
professor Ary Velloso. O reitor encaminhou o pedido de inquérito, ao
mesmo tempo em que enviou à ADUR uma carta solicitando o cancelamento de
sua inscrição. Apesar da retenção dos conceitos, a administração da
Universidade manteve a cerimônia de formatura, embora sem fornecer o histórico
escolar e o diploma.
Preocupados com os prejuízos aos
formandos, e temerosos do inquérito policial, os dirigentes da ADUR
decidiram consultar ao MEC. O consultor jurídico do MEC, Álvaro Campos,
depois de reunir-se com os docentes, fez um apelo para que os conceitos
fossem entregues, enquanto isso tentaria sustar o inquérito policial e o
inquérito administrativo. Quanto à demissão, reiterou que seria
examinada como recurso administrativo.
Seguindo as orientações do MEC,
os professores entregaram os conceitos e suspenderam a paralisação, que
ocorreria no início do ano letivo. Comunicaram suas deliberações para o
Reitor, solicitando que fosse encerrado o inquérito administrativo e
policial contra 83 professores. Nada foi obtido no encontro.
Vários professores foram chamados
a depor.
Ao mesmo tempo, a Reitoria começou a pressionar os professores que
ocupavam funções gratificadas, e que se posicionaram contra a demissão,
a entregarem seus cargos. Esse foi o caso da Diretoria do Instituto de
Agronomia. Além dessas medidas, sete professores tiveram suas bolsas de pós-graduação
canceladas.
Antes de deflagrarem uma greve, no
dia 19 de março, os alunos da Rural realizaram várias manifestações,
para que a Reitoria recuasse de sua posição de não negociar a volta do
professor Walter. Sem serem atendidos, resolveram realizar um ato público
no pátio do MEC. Na presença do delegado do MEC, Marcos Almir Madeira,
denunciaram as "arbitrariedades cometidas pela Reitoria",
principalmente no caso do Instituto de Agronomia, onde houve corte de
verbas e pressões para afastamento do diretor, Doracy Pessoa Ramos, e do
vice-diretor, Ary Carlos Velloso.
No dia 17 de março, cerca de mil
estudantes reunidos em assembléia no campus, marcaram a greve geral para
do dia seguinte. A greve durou 109 dias. O ambiente na Universidade era de
terror. O presidente da ADUR, Jair Rocha Leal, antes de decidir comparecer
a assembléia dos alunos, por escrito, solicitou permissão do Reitor, que
a concedeu.
Em outras universidades, os
estudantes estavam em greve: Viçosa (Minas),
Santa Catarina, Fortaleza e nas católicas de Salvador e Recife.
Ao que se saiba, no entanto, em nenhum desses casos a atitude da
administração fora tão repressiva e punitiva. Esse foi o objeto do
comentário do jornalista Adolfo Martins, do Jornal dos Sports:
"(...) ganha contorno mais sério,
vista de uma perspectiva maior. No meio educacional, ela expressa os
sentimentos de uma minoria
que ainda aspira a volta de uma universidade autoritária (para não dizer
arbitrária), onde a autoridade é substituída pelo autoritarismo, onde o
diálogo e o entendimento dão lugares à pressão e à ameaça.
A situação da Universidade Rural coloca
em xeque a própria política de abertura, patrocinada pelo Ministério de
Educação e Cultura, no sentido de fazer retornar ao meio universitário,
o debate livre, o diálogo permanente, as reivindicações legítimas, sem
que a resposta seja a palmatória, nas suas múltiplas manifestações.
O ministro Eduardo Portela, que
definia o MEC como o "Ministério da Abertura", ficara em uma
posição, no mínimo, constrangedora. O jornalista citado cobrava um
posicionamento oficial e via o caso da Rural como um termômetro para
avaliar a consistência da política de abertura patrocinada pelo MEC.
Num ato público realizado na
Associação Brasileira de Imprensa, dia 22 de abril, várias associações
de docentes das universidades do Rio de Janeiro se solidarizaram com os
professores da Rural: Pontifícia Universidade Católica, Universidade
Federal Fluminense, Universidade Santa Ursula, Fundação Osvaldo Cruz,
Faculdades Integradas Bennet e Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Os apoios continuaram se somando, com o apoio de importantes entidades e
personalidades do país: Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA),
parlamentares, Comissão de Justiça e Paz, por intermédio do Dom. Paulo
Evaristo Arns, Arquidiocese de Nova Iguaçu, através do Bispo Dom Adriano
Hipólito que designou o Padre João para acompanhar o caso.
Isto, além dos já mencionados apoios do Ministro, Procuradoria e
Delegacia Regional do MEC.
Diante do impasse, o Diretório
Central dos Estudantes convocou os pais dos alunos da Rural para uma reunião
no dia 7 de maio no Sindicato dos Professores no centro do Rio. Segundo o
Boletim Informativo, a reunião contou com a presença de representantes
da ADUR, da Comissão de Justiça e Paz de Nova Iguaçu e da Associação
dos Amigos de Bairro de Nova Iguaçu. Seguindo a ampla corrente que se
formava, os pais dos alunos da Rural divulgaram uma carta de apoio às
reivindicações dos estudantes.
No jornal Ultima Hora, o
articulista anunciou: Portela: manda ou sai. Comentando os acontecimentos,
trascreveu o que disse o Reitor: "O ministro que cuide de segurar a
posição dele, que anda muito balançada. Ele manda lá, se puder. Aqui
mando eu."
Nesse ínterim, o consultor jurídico
do MEC, Álvaro da Silva Campos, deu parecer favorável a readmissão do
professor Walter e censurou os procedimentos da reitoria, pelo "modo
inusitado" com que negou
o pedido de inquérito feito pelo professor. Por meio de um telex, no dia
15 de abril, o próprio ministro subscreveu o parecer. Além disso, através
do seu chefe de gabinete, Hélcio Saraiva, houve uma censura pública ao
Reitor e deixou claro que só não intervia diretamente, porque não tinha
instrumentos legais para fazê-lo. A administração da Universidade, ao
ser comunicada, decretou o recesso escolar.
Segundo o MEC a atuação do reitor
da Rural destoava das demais universidades brasileiras, que tinham
conseguido, através do diálogo e da procura de soluções, superar os
problemas com os estudantes e com os professores. Para o ministro a
"Universidade deve ter autonomia para resolver questões internas sem
recorrer à elementos estranhos", leia-se, Polícia Federal. Na mesma
manifestação, o ministro rompeu o diálogo com o reitor, declarado como
inútil.
No dia 12 de maio de 1980, após o
Encontro Nacional Extraordinário das Associações Docentes, em Brasília,
os representantes das ADs procuraram o ministro Eduardo Portella. Entre
outros assuntos, o ministro afirmou que o reitor da Rural estava
desvirtuando o conceito de autonomia universitária. Segundo ele, o reitor
procurou “padrinhos”, fora do MEC para fortalecer a sua posição.
Como disse:
“Cheguei
a avaliar o peso específico de cada um desses padrinhos. Consegui
convencer diversos deles. (...) Arthur já tentou falar comigo, mas, para
demonstrar o meu desapreço pela sua conduta, eu não o recebi. Se eu
tivesse poderes, não há dúvida de que já o teria afastado da
Reitoria.”
Na medida exata em que cresciam as
pressões externas e interna, a Reitoria se tornava mais agressiva e
repressiva. No dia 5 de maio, durante a realização da assembléia dos
estudantes, quatro guardas da polícia universitária, armados, impediram
a entrada de representantes da imprensa. Alegaram estar cumprindo ordens
do reitor em exercício, Vicente de Paulo Graça (vice-reitor). Esteve
presente à assembléia o deputado federal Marcelo Cerqueira, em cujo
discurso acusou "o autoritarismo e insanidade de uma autoridade
universitária que se insubordina ao MEC". O deputado prometeu
intermediar uma audiência com o Conselho Federal de Educação.
Apenas com dois votos contrários, a greve foi mantida.
No dia 7 de maio, dois membros do
DCE foram à Resende, onde estava o presidente Figueiredo, entregar um
carta expondo os problemas enfrentados na Rural. Não conseguiram falar
com o presidente, apenas com um de seus assessores, que nada garantiu. No
dia seguinte, voltaram a tentar, no Rio de Janeiro, durante uma visita à
sede da Cruz Vermelha. A carta foi entregue através de uma repórter da Rádio
Nacional.
A Reitoria mantinha um política
sistemática de contra-informação, dizendo que a greve era parcial e que
muitos estudantes não compareciam às aulas por receio de represálias.
Um filme especialmente feito foi enviado para a televisão, mostrando
alunos normalmente assistindo uma aula de Topografia (Disciplina
extracurricular). No
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, um professor procurou um grupo
de alunos, para assinarem a lista de presença, procurando fazer crer que
estavam furando a greve.
Em resposta, os estudantes
resolveram organizar uma vigília no pavilhão central da Universidade:
"Ocupando o P1, estamos fazendo uso de um local que nos pertence, e
no momento, estamos utilizando-o de forma que melhor nos convém”.
Durante a vigília, às 9:00 hs da manhã, hasteavam uma bandeira negra a
meio-pau.
Mas o que de fato preocupava os
estudantes, era a perda do semestre. Sem nenhuma perspectiva de solução
para a crise, 45 estudantes viajaram à Brasília, para tentar uma nova
intermediação do MEC. Com esse propósito, foi nomeada uma comissão
integrada por Raimundo Moniz de Aragão, ex-ministro e ex-reitor da UFRJ,
o general João Bina Machado e o desembargador Ney Cidade Palmeiro, reitor
da UERJ.
A comissão ouviu os representantes
dos estudantes, da Reitoria e dos professores. O presidente da comissão,
Raimundo Moniz de Aragão, afirmou não ter nenhuma objeção “a que o
professor Walter volte para sua cadeira no Departamento de Produção
Animal, mas se eu consigo isso, é outra coisa. O principal obstáculo
continua sendo a recusa da Reitoria em aceitar a readmissão do
professor.”
Na reunião da comissão com os
representantes dos professores Jair Rocha Leal e Antônio Constantino dos
Santos apresentarem três alternativas para solucionar a crise, em ordem
decrescente de preferência: a) anulação do ato de demissão do
professor Walter Motta, com ressarcimento dos prejuízos a ele
acarretados; b) revogação da rescisão do contrato, sem prejuízo do
recurso hierárquico encaminhado ao MEC; e, c) recontratação do
professor pelo Departamento de Produção Animal.
Após ouvir as partes, a comissão propôs um
acordo:
“a) contratação do professor Walter
Motta, mediante proposta oriunda do Departamento de Produção Animal e
observância dos trâmites legais e regimentais;
b) efetivação da contratação se e tão
logo autorizada pelos colegiados competentes;
c) tramitação, dentro do menor prazo,
da proposta de contratação referida no item a);
d) acatamento à liberdade do reitor de
designar o professor contratado para realizar curso de pós-graduação ou
participar de contrato ou convênio firmado com terceiro, compatível com
a sua especialização;
e) cessação do Inquérito
Administrativo contra 83 professores e cessação de qualquer atividade
que se afaste da conduta universitária regular e que possa prejudicar,
por qualquer forma, as atividades normais da Universidade.”
A Reitoria considerou o Termo aceitável,
porém a Comissão de pais de alunos solicitou que fosse explicitado que
as atividades voltariam ao normal após a contratação do professor
Walter Motta.
O professor Jorge Ordaz, supervisor
do MEC para o Ensino Superior, e o representante dos pais, o engenheiro Hélio
Amorim, reuniram-se com o vice-reitor, que lhes disse textualmente: “a)
o professor Walter jamais será recontratado pela Rural; b) nenhum
Departamento proporá sua admissão; c) nenhum órgão colegiado aprovará
tal admissão.”
Diante de tais afirmações, os
representantes do MEC e dos pais perguntaram ao vice-reitor qual o
significado, então, da assinatura do reitor no Termo de Acordo. O que foi
respondido: “... o reitor não se oporia à contratação do professor
Walter, caso as outras medidas fossem tomadas, mas que isso,
evidentemente, nunca se daria.”
Os representantes dos pais, de
comum acordo com o MEC, procuraram o chefe do Departamento de Produção
Animal, Marcelo Mendes de Oliveira, para consultá-lo se ele assinaria o
Termo de Acordo, como garantia para readmissão do professor Walter. O
professor foi evasivo, disse que não estava acompanhado o assunto e
esperaria uma orientação do Reitor.
Logo depois, o representante dos país esteve com o Reitor, que ratificou
as palavras do vice-reitor: o professor Walter “jamais seria readmitido
na Universidade Rural”.
Diante do impasse, a comissão foi desfeita e a
greve mantida.
Numa atitude isolada, um grupo de
alunos enviou uma carta ao presidente João Batista Figueiredo pedindo sua
mediação para solucionar a crise na Rural. Segundo eles “estão
esgotadas todas as formas de negociação, entre os alunos e a Reitoria, e
apelam para o reinicio das aulas.”
O aluno Frank Garcia afirmou ao Jornal do Brasil: como apesar do Governo
Federal ter escolhido a área agrícola como prioridade, a Universidade
Rural, o maior instrumento da política educacional na área, permanece
parada.
Segundo Adolfo Martins, do Jornal
dos Sports, o deslocamento da reivindicação estudantil do Ministério
para o Palácio do Planalto, aumentava o desgaste político do MEC que
apesar de todas as gestões e tentativas, não conseguiu solucionar o
problema da Universidade.
Com o prolongamento da greve e a
falta de perspectivas, naturalmente surgiram divisões entre os alunos.
Para o aluno de agronomia, Paulo Ribenboim, “o clima na Rural é de
inteiro passionalismo e o fato de a maioria morar fora do Rio, contribuí
para que a tendência estudantil que dirige o Diretório obtenha vitórias
nas assembléias, prolongando a greve em prejuízo da maioria interessada
em aulas”.Para
outros, a maioria, a greve era justa, mas esgotara-se como forma de pressão,
ressaltando no entanto a irresponsabilidade da administração.
Um grupo de alunos impetrou um
Mandado de Segurança, onde alegavam estarem sendo impedidos de comparecer
às aulas. O juiz da 9a. Vara Federal, Silvério Luiz Nery
Cabral, negou o pedido. Tentaram então outra medida judicial, através de
um pedido de “habeas-corpus”, julgado procedente pela Juíza da 4a.
Vara Federal, Juliete Lung.
Ta
Enquanto a Juíza da 4a.
Vara Federal, concedeu o habeas-corpus a favor de um grupo de alunos
contra a greve, o Juiz Mário Mesquita, concedeu um habeas-corpus para
garantir que o reitor reiniciasse as aulas com apoio dos órgãos de
segurança. Na sua fundamentação, justifica sua decisão: “(...) a ação
de piquetes organizados por 100 alunos, deixa antever uma agressão
perniciosa, que compete ao Poder Executivo coibir através da polícia e
dos órgãos de segurança.”
A posição dos alunos e docentes,
bem como do próprio Ministro da Educação, ficava cada vez mais
enfraquecida. Os jornais do dia 26 de junho noticiavam seu pedido de
demissão.
Carlos Chagas, na sua coluna no Jornal do Brasil, noticiou que o ministro,
Eduardo Portella, havia redigido uma carta de demissão, que não foi
entregue, pois se o fizesse, teria sido aceita pelo presidente.
Considerava ainda, que a situação do ministro ficara ainda mais vulnerável
devido a greve dos estudantes da Rural.
“(...) forças estranhas envolveram-se,
como sempre, oriundas de radicalismo opostos, uns tentando tirar partido
da greve e promover agitação permanente, outros vislumbrando no cerne de
tudo a infiltração subversiva
(...) Sua magnificência não concordou
(com a readmissão),.aferrou-se aos que o sustentavam de Brasília, e o
problema passou à esfera da Segurança Nacional (?), com os conhecidos órgãos
de sempre recomendando até mesmo o fechamento da Universidade.
E concluiu: neste quadro, o caso
específico da Rural, transformou-se num inequívoco termômetro para
avaliar a consistência da política de abertura e de diálogo,
reivindicada pelo Ministro Eduardo Portella. O episódio ganhou uma dimensão
maior, exatamente por simbolizar um choque de diretrizes na condução da
política educacional.
A impossibilidade efetiva do MEC
ditar uma solução para o caso e a posição de intransigência assumida
pela Universidade – escudada na autonomia universitária – colocavam
em xeque os limites da política de distensão do governo. Houve setores
do governo que endossaram a posição da Reitoria, em nome do “respeito
à disciplina, à hierarquia e à autoridade universitária que, no
entendimento dos adeptos dessa corrente, sairiam feridas se prevalecesse a
posição pretendida pelos alunos e endossada pelo MEC.
Eram 8 horas da manhã, do centésimo
dia de greve. Um caminhão, cinco carros de patrulha e dois camburões da
2a. Cia. Independente da Polícia Militar de Queimados, além
de quatro carros da Polícia Civil, invadiram o campus da Universidade. Ao
todo, eram 50 policiais, dos quais 20 da tropa de choque, com capacete e
viseiras. O vice-reitor, Vicente de Paulo Graça, se fez de desentendido.
Disse ao Jornal do Brasil que “levou um susto” quando viu os
policiais, “que devem ter sido requisitados pela Juíza Juliete Lung, da
4a. Vara Federal”. O despacho da Juíza, porém, apenas
autorizou o reitor a chamar a polícia, caso necessário.
Não houve conflito. A ação da
polícia limitou-se a identificação de alguns estudantes que se
aproximavam do prédio da Reitoria e a apreensão de 40 exemplares do
jornal interno dos alunos.
Em sua nota oficial, a ADUR
criticou o pedido de habeas-corpus para garantir uma a suposta liberdade
de locomoção. Os estudantes, dizia a nota, não estavam sendo impedidos
de entrar em sala de aula pela ação de piquetes.
Já os estudantes, ironicamente, numa faixa fixada na Universidade,
agradeceram à presença da polícia “por nos proteger contra a
Reitoria”.
Em reação, os grevistas anunciaram o início de uma greve de fome, para
a qual imediatamente 17 voluntários se apresentaram.
Finalmente, após 109 dias de
greve, os estudantes decidiram retornar às aulas. A assembléia foi
realizada na igreja do Cruzeiro, cedida pelo padre João Diniz, da Diocese
de Itaguaí. Compareceram cerca de 600 alunos, embora a Universidade
tivesse a época 4 mil 500 alunos matriculados. O problema é que não foi
possível comunicar a maioria dos alunos que durante a greve não
permaneceram no campus da Universidade, visto que o restaurante estava
fechado.
O Padre João Diniz, que participou
da assembléia, lembrou o seqüestro do jurista Dalmo Dallari, da Comissão
de Justiça e Paz de São Paulo, e frisou que “a turma vai sempre em
cima de quem quer lutar pela justiça e temos que olhar para isto com
normalidade, pois quem luta é aquele que, entre a vida e morte, opta pela
vida”.
O professor Jair Rocha Leal,
presidente da ADUR, lembrou o papel desempenhado pela comissão de pais de
alunos da Universidade. O professor Walter Motta, muito emocionado, de
costas para uma imagem de Cristo, disse que só poderia citar uma passagem
da Bíblia e, sob aplausos, repetiu: “Bem-aventurados os que têm sede
de justiça”.
Os estudantes decidiram retornar às
aulas no dia seis de julho de 1980, com uma cerimônia de hasteamento da
bandeira nacional no pavilhão central da Universidade. Exigiam, no
entanto, a saída dos militares do campus.
A assembléia dos estudantes
estendeu-se por três horas e o fim da greve não foi contestado por
nenhum dos presentes. De acordo com os relatos, o fim da greve era parte
de um acordo com o MEC, que depois contratou o professor Walter Motta como
consultor técnico da Comissão Especial de Ciências Agrárias. A
Reitoria, por sua vez, assumiu o compromisso de refazer o calendário de
maneira a não cancelar o semestre.O inquérito policial foi arquivado. Os inquéritos
administrativos, que ficaram a cargo dos conselhos departamentais de cada
Instituto, foram concluídos com resultados desfavoráveis aos 83
professores indiciados. Todos perderam os cargos de chefia e foram
suspensos por 15 dias sem direito aos vencimentos.
A administração da Universidade não
tirou nenhum ensinamento de todo o episódio. Continuou conduzindo-a como
se nada houvesse mudado, nem no interior da Instituição, nem no país.
Pouco mais de um mês do final da greve, em agosto de 1980, seguindo os trâmites
vigentes, um Colegiado escolheu o nome seis candidatos para enviar ao MEC
para que esse escolhesse o novo Reitor. Deste Colegiado, somente seis
membros tinham sido indicado pelos professores e nenhum pelos alunos.
A ADUR defendeu a eleição direta,
com a participação de todos os segmentos da comunidade universitária.
Numa nota amplamente divulgada, descreveu o processo como uma forma de
perpetuação no poder do mesmo grupo que vinha dirigindo a Universidade.
Embora um tanto longa, vale sua transcrição:
“O primeiro nome da lista sêxtupla,
FAUSTO AITA GAI, é o ex-reitor do qual o atual Reitor foi Vice-reitor. O
atual Reitor, por sua vez, na época de sua indicação, foi o 1o.
da lista sêxtuplo indicada pelo ex-reitor. Este ex-reitor, que foi também
Vice-reitor do Reitor que o antecedeu, é o atual Decano de Assuntos
Financeiros.
O segundo nome da lista, VICENTE DE PAULO
GRAÇA, é o Vice-reitor do atual Reitor. Foi Diretor do Instituto de
Zootecnia nas gestões do ex-reitor (atual 1o. nome da lista) e
do atual Reitor.
O terceiro nome da lista, HENRIQUE
BOSCHI, é o atual Diretor do Instituto de Ciências Humanas e ex-decano
de Ensino de Graduação do atual Reitor.
O quarto nome da lista, HOMERO ROBERTO
PASSOS WERNECK DE CARVALHO, vice-diretor “Pro-tempore” do Instituto de
Ciências Exatas nomeado pelo atual Reitor, foi recentemente o presidente
de duas das cinco comissões de inquérito administrativo instauradas
contra 83 professores.
O quinto nome da lista, ALCIDES CALDAS, não
leciona mais na UFRRJ. Sua indicação causou surpresa pois só é
conhecido pelos seus ex-colegas de Departamento, uma vez que só vinha a
Universidade uma vez por semana e não participava da vida universitária.
O sexto nome da lista, HERCÍLIO VATER
FARIA, está vinculado à atual Administração por três vias. É Decano
de Ensino de Graduação, o Coordenador do Programa Interinstitucional de
Capacitação de Docentes (PICD) e presidente da Comissão de Contratação
de Docentes da UFRRJ. Foi também membro de uma das comissões de inquérito
contra os 83 professores.”
Enquanto o país ia, pouco a pouco,
se desfazendo do entulho autoritário do regime militar, a Universidade
adotava o caminho contrário. Em 1980, dois dias antes de deixar o governo
o general Geisel extinguiu as Assessorias de Segurança e Informação
(ASIs) nas Autarquias, Estatais e nas Universidades. O novo Reitor, Fausto
Aita Gai, em abril de 1981, incluiu a Assessoria de Segurança e Informação
(ASIs) no Regimento Interno da Universidade. Talvez este seja a atitude
mais paradigmática da postura política dos dirigentes da Universidade
naquela época. A internalização da ASI, em pleno processo
democratizante, foi objeto de um artigo do professor Carlos Guilherme
Mota.
O professor, mostrava claramente que a abertura política ainda não havia
chegado à universidade brasileira. Fato reconhecido por várias correntes
de opinião e pelo próprio ministro da Educação e Cultura, Rubem
Ludwig.
A postura conservadora da
administração da Rural, no entanto, estava contra a maré. As mobilizações
continuaram e aos poucos novos espaços de exercício democrático foram
sendo alcançados. Em 1984, a comunidade acadêmica da Rural, liderada
pela ADUR, organizou um processo eleitoral para escolha direta da lista sêxtupla
para a Reitoria. Este processo contou com a participação de 93% da
comunidade, votaram 2700 estudantes, 450 professores e 900 servidores.
Concorreram 11 candidatos. Os seis mais votados para comporem a lista sêxtupla
foram os professores Jair Rocha Leal, Antônio Constantino dos Santos,
Manlio Silvestre Fernandes, Raimundo Brás Filho, Raul de Lucena Ribeiro e
Roberto José Moreira. No entanto, a administração da Universidade
desconheceu esta consulta e indicou através dos Conselhos superiores sua
própria lista.
Somente quatro anos depois a Rural incorporou o processo democrático de
escolha dos seus dirigentes .
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